Carta aberta para um amor bem perto

Me peguei pensando em você. Digo isso de modo a não parecer uma hipérbole ambulante que te respira em cada traço de caneta ou piscar de luzes.
Na verdade penso em você em cada segundo que o relógio roda e em que você não está aqui.
Você não está aqui. Mas posso jurar que se eu fechar os olhos - assim - sem grandes esforços, posso sentir sua cabeça tombada em minhas coxas enquanto eu te leio alguma bobagem ou te digo alguma sujeira ao pé do ouvido. 
Eu gosto da nossa cumplicidade, das nossas descobertas, do modo como seu cheiro se mantém em meu corpo depois que a gente faz amor, do jeito que você morde e contrai os lábios quando sente prazer, da intensidade com que você me penetra - sem nem perceber que me invade não só as entranhas, mas a corrente sanguínea, a alma e o coração. 
Você não deve perceber, mas eu perco metade do tempo em que te olho me dedicando em guardar você em várias partes de mim - poros, mãos, vãos escondidos, planícies secretas - para deglutir você enquanto meu corpo grita por um toque, uma respiração no pescoço, um roçar de pernas ou de corpos, dentro dessa saudade que me deixa aflita no meio de tantos lençóis. 
Ergue esse teu rosto que se apoia nas minhas coxas, me arranca a vergonha, a roupa, os cabelos, me tenha com o gosto das palavras recém lidas na ponta da língua ou dos dedos. Desse modo, iremos para a cama com Clarice, Virgínia, Caio, quem pode saber. Quero você dentro de mim. 
Sussurra em meu ouvido algum poema de Vinicius antes de despejar seu líquido que me faz ser sua fêmea & amante & amada & mulher e faz de você O Meu Grande Amor.
Se despeja em mim desse modo. Transborde as vontades, as faltas de amor que ficaram no passado, o desejo de ser eterno.
E morra. Ainda dentro de mim. Conhecendo assim a morte mais doce e bela que pode exisitir: a morte que nasce da cerimônia doadora de ser.
Te sou e te sinto em mim como nunca.
Sempre sua,

Layse

madrugada de 21/01/2010

Como (não) ser um escritor

O caminho entre ser um escritor e tornar-se um escritor é menos óbvio e auto-explicativo do que parece. Superficialmente, ser um escritor é nascer com a alma na ponta das palavras. Tornar-se um é saber colher palavras na ponta dos dedos. Clarice, com certeza, faz parte do primeiro grupo. Enquanto João Cabral de Melo Neto, do segundo. 

Descobri o que eu queria ser lá pelos 14 anos. Naquele momento eu era apenas uma menina que nunca soltava os cabelos, matava aula pra fumar e queria viver muito pra ter histórias pra contar. Nesse período, escrevi muito. Textos horríveis, é fato. Sem a melhor qualidade estética. E o fato de julgá-los sem qualidade estética com os olhos de agora só me faz ser mais intelectualóide e menos escritora.
Eu queria ser escritora. Ganhar dinheiro nem me passava pela cabeça. Eu só queria escrever. Nos meus delírios ultrarromânticos da adolescência, tudo o que eu queria era uma máquina de escrever, um cigarro e um café. O espaço, o tempo, os personagens... tudo conspirava pra construção de uma boa história.
Cresci, as coisas começaram a se mostrar um pouco mais preto e brancas do que eu imaginava. O que fazer pra ser uma escritora? - Letras, claro. Nada me parecia mais óbvio.

Como não ser um escritor

Estudar literatura me afastou da própria literatura. Literatura não tem nada a ver com teorias estruturalistas, historicistas, ou sei lá de que caralho a quatro resolverem chamar. Literatura é carne viva. Hoje, prestes a terminar o último ano do tão idealizado Bacharelado em Estudos Literários, sinto que o mais fundo que consegui alcançar foi uma pele morta e seca, cheia de palavras escolhidas e conectivos que fazem o autor do texto - no caso eu - parecer inteligente.
Estudar literatura é uma grande furada. Não me julgue mal. Tem sim seus momentos de glória. Mas agora, pra mim, não passa de uma grande furada.
Estudar literatura me fez perder a inspiração. Não consigo mais pensar livre, não consigo mais escrever livre. Não sei mais o significado de fruição. 
Leio Caio e não consigo simplesmente suspirar como fazia aos 14 anos. Dormir com o livro na cabeceira agora tem outro significado - geralmente apegado a trabalhos inúteis e a livros que eu não leria por vontade própria. Ao invés de acordar no meio da noite com uma frase incrível que faria muito sentido num conto que eu jamais escreverei, acordo no meio da noite com a ideia de um artigo científico incrível pra apresentar em um congresso no qual 0,1% das pessoas prestam realmente atenção no que você quer dizer. A maioria, e inclusive eu, estão ali pra enriquecerem o maldito Currículo Lattes e conseguir um Mestrado-Doutorado-com-bolsa-dar-aula-e-ser-(in)feliz.
Vida acadêmica é uma merda.
Eu era mais feliz burra, inocente, fumante de bares com salsicha em potes de conserva, bêbada nos fins de tarde e ainda bêbada nos começos de manhã. Eu era mais feliz escrevendo, só escrevendo. E lembro de um texto meu em que eu dizia no final - em menção a um poema de Ana C. - Não, isso não é literatura.
Agora, minhas palavras vêm carimbadas. Isso é literatura. Isso almeja ser literatura. Quem a escreveu já leu esse e aquele livro e sabe quem é Afrânio Coutinho, Alfredo Bosi e o babaca do Massaud Moisés. 
A literatura deixa de ser literatura quando começa a ser levada muito a sério.
Do alto do meu quase título de Bacharel em Estudos Literários, nunca quis tanto dizer: meu cu pra tudo isso. Nunca tive tanta vontade de sair correndo.

Nunca tive tanta vontade de não fazer literatura pra, finalmente, conseguir fazer literatura de novo.
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