De dentro do ser-tão ou Você tem que ler Grande Sertão: Veredas

"Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou." (p. 39)



Chega essas época do ano e eu vou me desencantando. Quero abrir as gavetas, jogar fora bilhetes, relembrar cartas de amor cuja validade já venceu faz tempo. Nessas idas e vindas desse ano maluco e bizarro que foi 2011, deixei de ler muita coisa que eu queria, escrevi uma monografia que me fez descobrir cantos de mim mesma que eu antes desconhecia, descontei o aperto no peito em cigarros comprados soltos, que é para o vício nunca chegar por aqui. Perdi um cachorro e ganhei um gato, nem mal me formei e já estou desempregada. Coisas da vida real. 
A questão é que a essa hora de um domingo natalino que tem sempre um gosto que eu não suporto - as bolas vermelhas penduradas em árvores de natal de mentira não soam artificiais pra você? - resolvi colocar em dia as frases selecionadas nos livros que eu li esse ano. Quando eu era mais nova e o tempo parecia render um pouco mais, terminava de ler e já corria escrever os trechos em um documento do word que carrego comigo desde 2000. Esse ano, só agora tive coragem de puxar os livros da estante e ir pescando, página por página, as frases que fizeram sentido durantes a leitura. De García Márquez a livros infantis que li para a disciplina de literatura infanto-juvenil, parei em Grande Sertão: Veredas. Só esse nome me estremece. Grande ser-tão: Veredas. Mal começo a falar sobre ele e já sinto uma bola se formando na minha garganta. Uma bola Guimarães Rosa, que não é palavra-dita mas pulsa feito sentimento vivo, neologismo do coração.
Você tem que ler Grande Sertão: Veredas. É tudo o que consigo dizer. Antes dele, eu nutria um preconceito imenso por Guimarães Rosa porque julgava que histórias de jagunços não eram pra mim. E não são, de fato. Mas Grande Sertão é muito mais que isso. Ouso dizer que é a mais bela história de amor que eu já li até hoje e acho que dificilmente lerei algo tão intenso e  comovente como esse romance vai e vem, que constrói e desconstrói os caminhos de ser-tão e às vezes não saber pra onde ir. Travessia.
Você tem que ler Grande Sertão: Veredas. Esqueça o que te foi dito na escola, se estudar literatura, ignore as aulas sobre ele. Só leia e sinta. Deixe Riobaldo contar a história que nunca na vida alguém vai conseguir contar parecida. Esqueça o marco-na-literatura-brasileira que isso tudo são coisas que inventam pra gente entender o que é inteligível: lembre, diga, o sertão é dentro da gente.

Quando você vai embora


Quando você vai embora, pressinto acidentes fatais, doenças terríveis, mal súbitos. Tudo pra sofrer mais a sua partida, a minha estadia solitária. Meu coração ora parece querer pular do peito, ora desacelera em uma clara tentativa de também sentir dor. Toda a cidade parece querer colaborar com o quadro preto & branco que vou pintando por dentro. Choveu um pouco à noite, uma garoa fina, meio lacrimal. Antes disso, o céu claríssimo insistia em continuar claro eternamente só pra fazer com que nosso programinha filme-no-escuro não acontecesse logo. Quando você vai embora, o cinema francês fica mais triste ainda e eu fico mais neurótica por não entender direito o que os personagens dizem. E você me olha e ri, que sou boba e que tudo bem não entender francês direito. Mas não, não está tudo bem, porque você vai embora.
Quando você vai embora, choro pelo tempo junto, pelo segundo que os corpos se distanciam no sono, pela sua sobrancelha tão bonita que se arca de um jeito diferente quando você dorme. Choro pelo seu olhar de menino, pelo seu sorriso doce, pela sua carência que é tão a mesma que a minha.
Quando você vai embora, dramatizo a realidade e viro novamente a menina que eu costumava ser quando amava aos 14 anos. Maldigo Deus e o mundo, peço abraço de mãe e, assim que chego em casa para passar o primeiro sábado que eu não irei pra sua casa depois de sair da aula de francês, fico abraçada com o meu gato como se ele fosse o Nounouse do Para uma menina com uma flor.
Quando você vai embora, encarno Vinicius e fico mais bossa nova do que um disco inteirinho do João Gilberto. Também não tomo café da manhã, não atendo telefones, não me olho no espelho. A única coisa que faço é pensar que sim, você foi embora.
Quando você vai embora, apago o passado, esqueço as falhas, te amo inteira de novo. Quando você vai embora, o amor não se acostuma mais com o tempo. Quando você vai embora sou a própria felicidade clandestina e, por alguma razão que nunca vou saber ao certo, passo a te amar ainda mais, muito mais ainda, quando você vai embora.
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