Parecia
muito errado ir pra cama com alguém que eu nem conhecia. Eu, que sempre fora
contra traições e abaixava os olhos em um gesto de desaprovação quando alguém
me confessava algo do tipo, estava indo para cama com alguém que eu nem
conhecia.
Quando
eu tinha uns 15 anos, só conseguia escrever ouvindo Good Woman, da Cat Power.
Aos 25, não sei se isso me parece bobo ou ainda faz todo o sentindo. I want
to be a good woman.
A mãe
sozinha, o pai que trai, a solidão filho-único, as orações pedindo
pelo-amor-de-deus pra eu morrer antes de todo mundo que eu gosto.
O tempo
girou feito um doido e me colocou nesse lugar que eu não sei se quero estar e
me fez querer ser uma boa mulher - apesar de eu não saber direito o que isso
significa.
Talvez
seja algo como transar dentro do banheiro sujo da faculdade pública, gostar de
cheirar livros, andar de bicicleta, não ter uma estante de livros não lidos,
prestar atenção nos post-its espalhados pela parede, não ficar com vontade de
se masturbar numa aula de literatura portuguesa, não usar antidepressivos, fazer terapia uma
vez por semana sem trocar a sessão por qualquer coisa que pareça mais interessante
por algum momento, não tentar beijar a sua amiga quando se fica bêbada, não
fingir felicidade no instagram, saber de cor frases de Closer, ter tatuado a
capa de um livro em alguma parte do corpo.
Talvez
seja mais simples do que isso, mas deitada no ombro de um homem que eu mal
conheço, me parece um pouco mais complicado.
Sempre
fui contra “fazer amor”. Amor não é nada parecido com sexo. Amor é o que vem depois,
entre os lençóis. Não fiz amor da primeira vez em que a gente transou. Não fiz
amor em nenhuma das vezes em que acordávamos no meio da noite e que você
insistia em fingir que não tinha trabalho na manhã seguinte e que não estávamos
em uma quitinete cheirando a suor e cigarros. No meio da noite, tudo o que
existia era um não-fazer-amor que soava melhor do que eu sempre esperava quando
sua mão começava a descer pela minha barriga.
Fazer
sexo me faz lembrar de coisas que eu não gostaria. Enquanto sua cabeça se move
de um jeito engraçado no meio das minhas pernas, finjo que posso te enxergar
por dentro, finjo que sou Blimunda. Ser Blimunda é a forma que eu encontrei de
você nunca me enxergar por dentro, de você ser Baltasar. Sete-sóis &
Sete-luas.
Uma pena
nada ser como nos romances.
Faço rodeios pra esconder de mim mesma, do
apartamento vazio, da cópia extra da sua chave, do toca discos quebrado nos
cantos, das cartas que você nunca me escreveu, do quarto quente, da minha
tristeza em não existir uma música com o meu nome, da sua camisa no meu
armário, o fato de eu ter ido pra cama com alguém que eu não conheço.
Não
banque o Larry que eu prometo não bancar a Anna. Mas sim, foi bom. Sim, eu
prefiro você. Não, a doçura não existe.
A
doçura não existe, eu repeti por dentro.
Sentada
na cadeira de madeira, tentando escrever sobre aquilo que eu não quero escrever,
tudo o que eu quero é:
1. Que o
amor não doa;
2. Que
as partidas não sejam forçadas;
3. Que
eu me arrependa de ter ido para cama com um estranho.
No
quarto de hotel com cortinas cafonas e manchadas de tempo, um ombro que não era
o seu, um corpo que não era o seu, uma barba que não era a sua, um beijo que
não era o seu - apesar de vocês mexerem a língua de uma forma parecida.
Com as
roupas espalhadas sobre a cama e os sapatos perdidos embaixo de algum móvel que
eu não consigo localizar, prometi não colocar palavras doces no que era só pele
em flor.
Pele-em-flor.
Juro e desjuro.
Me entrego
burra, puta, errada, ingênua. Ingênua.
Coloco
a culpa no horóscopo, na profecia feita por uma senhora bêbada há anos atrás,
na pilha de cadernos vazios esperando para serem preenchidos, na vontade de ser
o que eu não conheço.
Ao sair
do quarto, ao sair de perto daquele que eu não conheço, alcanço a caneta na
bolsa e escrevo na palma da mão, para lembrar, pra não esquecer, pra não
sentir dor: só pela história. E fica assim: o coração aos pulos e a mentira
guardada como segredo nas mãos em formato de concha.