Caixas e gavetas

Arrumar tudo. Limpar. Tirar o pó de trás dos livros, endireitar as pastas, jogar fora a bagunça dos dias. Acordei assim. Com vontade de tirar tudo do lugar pra conseguir deixar tudo direito depois.
Joguei fora agendas, uma pilha de xerox da graduação que eu sempre juro que vou precisar em algum momento e nunca me desfaço, uma coleção de cartões postais que guardei com muito amor por mais de 5 anos e que pareceram extremamente cafonas e de mal gosto quando vi hoje, vários recortes de jornais sem muito sentido vistos agora.
A parte de cima do meu guarda-roupa tá vazia. Coloquei travesseiros e edredons no lugar - porque parece que algum dia a gente tem que crescer, parar de guardar recortes em pastas sanfonadas.
Tá, isso não é verdade. Essa parte de crescer e parar de guardar recortes. Não consigo. Joguei muita coisa fora, mas tem algo que me faz realmente gostar de colecionar memórias. Não são memórias grandes. São coisas bobas e outras nem tanto. Encartes, bilhetes, caixas de fósforo. Às vezes penso: é pra um dia mostrar pros meus filhos quem eu fui. Mas daí lembro que não quero ter filhos e a justificativa se desfaz. É uma coisa minha. Eu gosto de caixas e de gavetas. E de guardar recortes em pastas sanfonadas. E provavelmente vou gostar disso até, sei lá, uns 95 anos - já que as mulheres da família costumam esquecer de morrer.
Entre as coisas que ficaram, um encarte da exposição da Clarice no museu da língua portuguesa, que fui aos 17 anos com a minha mãe; o encarte de “Aqueles dois”, uma das melhores peças de teatro que eu já vi; um marca páginas com um trecho de “Para uma menina com uma flor”; o resultado do TCC; a carta de uma editora sobre uma antologia de poemas que eu participei e que provavelmente ninguém no mundo leu; um encarte da exposição Percurso afetivo da Tarsila do Amaral; recorte de jornal com trechos de “Fragmentos de um discurso amoroso”; marca páginas que andava perdido e que foi presente de uma das melhores amigas da vida; página da Revista Taturana com fotos bonitas; foto da Yoko e do John que ficou de um monte de recortes usados para montar o QG da gincana do colégio (!!!) [ quão bizarro e distante isso soa, deus]; uma foto da minha casa preferida de Londrina, que foi demolida pra que um banco fosse construído; matéria de quando o Saramago morreu.
Toda vez que mexo nessas pequenas recordações eu fico assim. Meio nostálgica antecipadamente, meio querendo pedir desculpas por me desfazer de tanto pedaço solto. É tipo algo estranhíssimo e metafísico que acontece ao lidar de uma forma tão prática com coisas que aconteceram e que foram relevantes e que agora já perderam o sentido ou que até são lembranças legais, mas que é preciso deixar espaço de sobra pra novas caixas - e esse ano tá cheio de novas caixas cheinhas de coisas bonitas.
Tem mais um monte de coisa que ficou. E que talvez vá pro lixo da próxima vez que eu remexer tudo. Mas é isso, não é?  Às vezes é bom deixar as coisas simplesmente irem embora. 
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