O novo filme de Gaspar
Noé, “Love”, causou burburinho em Cannes. Isso porque em pleno 2015 a obra soou escancaradamente pornográfica. Alguns chamaram de pornô hipster, o
que, não posso negar, talvez seja uma boa definição. Mas a real é que existem
muitas e muitas camadas para além da metelância nesse drama erótico.
O filme é um belo retrato do desejo – no caso,
o desejo dos 20 e poucos anos. E não é só do desejo sexual que eu falo. Há ali,
na duração do longa, uma série de quereres que transparecem ao espectador. O
desejo de ser alguém (que nem sempre dá certo), o desejo de viver novas
histórias (que nem sempre termina bem), o desejo de ter um amor e amá-lo da
melhor forma (que, óbvio, também encontra seus percalços). Love é um filme sobre
todos esses quereres, que invadem com especial força o início da vida adulta e
que às vezes guardam mais riscos do que se esperava.
O protagonista é Murphy, um cineasta que não entende porque
as relações afetivas/sexuais não são mostradas nos filmes como realmente são na vida
real. O objetivo dele enquanto personagem é este: fazer um filme que dê conta
de retratar as coisas como elas de fato são.
É como uma piscadela do diretor Gaspar Noé para o espectador,
já que “Love” alcança exatamente o que o personagem Murphy almeja. É um filme
visceral, quase sinestésico. O 3d ajuda isso. Dá quase pra tocar a fumaça que
sai da boca dos personagens, sentir a textura da pele; ser transportada para baladas francesas e, desculpem pelo spoiller, dá inclusive pra esquivar o rosto quando a tela é invadida
pela ejaculação de Murphy. Como um close nas relações afetivas, “Love” nos leva pra perto, pra dentro. É um filme
desconcertante. Assim como o sexo na vida real o é. Há barulhos e pêlos e babas
e dores e amores perdidos e dureza dos dias. Há o que dá errado, o que sai do script, o que não era pra ser, mas é - e
é com isso que se faz o filme, com o que escapa.
Murphy e seus olhos, pelos quais temos alcance à história,
estão chapados. É de uma viagem de ópio que o flashback acontece e conhecemos o triângulo, Electra, a vontade, une jeune femme française, o medo da
perda, crianças que não são desejadas, um apartamento silencioso.
Entramos na de Murphy e sua pequenez, sua impotência diante
da vida; também ficamos meio chapados com a tela escura, a pele, as luzes
piscando e a música.
“Love” reforça aquilo que "Closer" já disse em 2004: Por que só
o amor não é o suficiente?
[we always hurt the ones we love]
O filme também me lembrou um poema, cujo autor eu desconheço, mas que
anotei há muitos anos num caderninho:
“amor é amor de bichinho
é cuspe é sangue é porra e raiva
amor pra ser amor direitinho
não tem cor nem dor nem flor nem nada”
Falando de "Love" pra uma amiga, ela me perguntou: “Qual é a
história? Ando meio com preguiça de drama - o da minha vida já tá bom! Preguiça
de gente se drogando e transando com todomundo”. Eu defendi o filme, disse que
era um pouco isso, sim, que tinha sexo explícito, sim, mas que também tinha uma
coisa por trás. E ela disse: “Coisa por trás = todo mundo é fodido”.
Sim. Exatamente. Três personagens fodidos, estraçalhados pelo desejo e pelo acaso. Há, o tempo todo, a presença da falta.
Mas há alguma coisa bonita ali, até sensível. Mas também
triste e desesperadora.
Just like the real life.