Da carne das palavras


Assim que seus olhos se deitaram sobre os meus as palavras ganharam um sentido diferente.
Não mais que de repente, eu soube de todas as nossas vidas, nossas fugas, nossos esbarrões, assim que nos perdemos pela primeira vez em lábios e línguas com um fundo musical que eu não lembro agora, mas estou quase certa de que se pudéssemos ser diretores do nosso próprio roteiro, mudaríamos sem dizer uma palavra. Apenas um sorriso de canto de boca. Como que para atestar que sim: a música que você escolheria seria – e não tenho dúvida – a mesma música que eu escolheria.
Eu soube que essas palavras que sempre saíram tanto da minha boca, palavras de poetas que eu sempre li, de escritores que as vomitam em mesas de bar, em prostíbulos cheios de mulheres que nada se parecem com a pessoa amada, em páginas amareladas de livros esquecidos em tantas estantes de casas onde essas palavras não fazem sentido algum, eu soube que todas elas mudariam de sentido. Signo, significado, significante – o velho professor repete pausadamente em minha orelha. Quero mais é que todos desçam pelo ralo junto com qualquer limitação. O sentido é outro. É sentido-sentimento. Eu sabia tanto das palavras, tinha decorado sonetos de Vinicius, trechos dos contos da Clarice, finais impactantes de romances clichês. Todos pelo ralo.
Me resta só o cru. O cru de todas essas palavras. O cru do seu nome. E é tudo tão doce. Tão-tão-tão doce. A dor de não acordar com você é doce pelo simples fato de te saber e te sentir e te respirar no meu corpo mesmo quando distante.
Me resta o cru desse verbo que escrevo na sua pele com a minha saliva. Esse verbo que mastigamos juntos enquanto te recebo dentro de mim. Esse verbo que me faz ser sua e te faz ser meu com as letrinhas na ponta dos dedos e da língua, nadando em salivas para chegar lentamente ao centro da gente. Cor-ação.
Simples e tão concreto que ainda não inventaram palavras que conseguissem dizer. E nem é preciso. Digo a você, meu amor. Só a você. E te sei em mim pelo que você consegue ler quando o que eu escrevo se resume apenas em um suspiro perdido nos lençóis de cama.

3 comentários

  1. Fico imensamente feliz pelo carinho e pelo recado. Caio F. é um marco na vida de todos nós. Um querido que deixou em nós, por meio dos livros, a marca de eternidade. Obrigado! Volte sempre e desejo todo sucesso do mundo pra você.

    Rodrigo (epifanias).

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  2. Extremamente arrepiante! Eu me vi ali, em cada palavra, cada vírgula do que escrevesses. E agora me pergunto "Como é que eu nunca visitei teu blog antes?"

    Um beijo,
    Carol

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  3. "Me resta o cru desse verbo que escrevo na sua pele com a minha saliva. Esse verbo que mastigamos juntos enquanto te recebo dentro de mim. Esse verbo que me faz ser sua e te faz ser meu com as letrinhas na ponta dos dedos e da língua, nadando em salivas para chegar lentamente ao centro da gente. Cor-ação."
    morreu uma parte de mim agora, de êxtase.

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