Ensaio sobre o toque

[Um texto que era pra ser parte de um curta que acabou não sendo. Escrito com a "ajuda" de Caio e Cortázar]

Cadê você que não aqui? Onde estaremos nós no meio dessas linhas forçadas e desse gosto de cigarro na boca? O telefone não toca. Apesar de parecer ouvi-lo ressoar em algum canto da casa. Não deve ser você.
Não ouço. Mal consigo segurar a caneta que a agonia me bota na mão.
Respiro confundida, querendo encontrar a minha boca na tua boca, mordendo os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio.
Fingir que está tudo bem, os olhos borrados, o canto da boca levemente mordido na tentativa de matar a vontade que grita, que arde. Fingir que está tudo bem enquanto o telefone não toca, a vida não gira. Fingir que está tudo bem, o coração a tilintar feito pequenos cristaizinhos pulando no chão.
Odeio amar, não é engraçado? Amanhã tento de novo. Amar só é bom se doer. Desculpe tanta sede, tanta insatisfação. Amanhã, amanhã, recomeço. Te espero. Te Beijo.

O corpo da alma ou por dentro da carne

Me peguei pensando em nossos corpos. Sim, corpos. Suados, nus, a dança bonita de pernas e braços, os pêlos a raspar nas coxas, barriga, rosto.
Te quero tanto. É simples o que digo.
Quando você está dentro de mim, sinto como se peixes errassem nas minhas veias. E nem todos os romances do mundo conseguiriam explicar o meu calor no meio das pernas.
Como explicar o modo com que me penetras em corpo e me atinges com lenta delicadeza o coração? Ao mesmo tempo. Tudo-junto. Música melodiosa: eu-mais-você.
Não consigo achar um jeito melhor de falar de amor a não ser o fazendo tão bem.
Ter você grudado a mim, interligado a mim por um órgão que pulsa, que jorra, que pede e que depois se derrama e adormece ainda dentro de mim é o mais perto que eu já consegui chegar do amor.
O corpo da alma é menos carne e mais coração cada vez mais.

[foto de Cartier Bresson]

(o texto era pra ser maior, mas de repente eu só queria dizer que.)

O amor não morreu

O amor não morreu - apesar de morrer todos os dias. Mas hoje à tarde, perdido por entre livros e verbos em francês, o amor apareceu no arrepiar dos pêlos e nos olhos de alguém que talvez tenha o perdido em alguma mesa de bar.

- Eu vou me casar. - Disse a menina morena ensaiando uma voz meio-séria meio-extasiada.
- Mas é já-já, não é? Então corra senão não dá tempo. - A professora reforçou.
- Dá sim. Eu e ele guardamos dinheiro pra isso desde os três meses de namoro, porque já sabíamos que iríamos ficar pra sempre juntos.

(silêncio)

Isso mesmo: um silêncio doce e profundo.
Dos olhos da professora, que vira a mexe solta algumas frases cheias de um grito típico de quem não sente a mínima necessidade de se dividir em alguém, saíram algumas pequenas lágrimas que não chegaram a cair no rosto, mas encheram o olhar de uma esperança bonita, uma não-morte desse amor que insistem em matar todo dia.
O amor - essa palavra. Troço complicado, que bate e afaga ao mesmo tempo. Eu digo que depois dessa tarde o sinto melhor aqui ao lado, repousado leve sobre o canto esquerdo do coração. E vou dormir acreditando que a lágrima que quase caiu dos olhos da professora foi o sinal de que em algum canto dela ele ainda pulsa e não morre nunca por nunca deixar de viver em lugares que às vezes a gente ainda desconhece.

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