Silêncio

Para se ler ao som de Where is my Love – Cat Power
Era incapaz de machucá-lo. Por isso, dava voltas na sua verdadeira vontade, engolia o aperto no peito, a “farpa na parte coração dos pés”.
Passava os dias bem, não tinha problema algum em lembrá-lo com carinho. Inclusive o fazia com frequência. Pensava nele quase o tempo todo. Sonhava com a sua voz, tocava-se pensando nos seus dedos, fechava os olhos e sentia o seu cheiro.
De alguma forma - ela não sabia e mal consigo explicar também - as coisas se perderam. Foi isso. Aconteceu o que geralmente acontece com os amores incuráveis: Eles acabam se curando.
De repente o pensamento bagunça todo, ela sorri de lado, busca o cigarro na bolsa que tem espaço demais perto das poucas coisas que carrega – um celular já antigo, um bloco de notas para rompantes de inspiração que nunca foi usado, o batom já cheirando a velho, o maço de cigarros. Nunca carregava isqueiro. Gostava de pedir emprestado, no entanto não suportava quando alguém estendia as mãos para acender o cigarro já preso entre os lábios.
Quando será que parei de te amar?
Acende outro cigarro. Um atrás do outro com o isqueiro do garçom.
Eu não sei onde larguei o meu gostar por você, meu amor.
_

Eu não sei. Não sabe do quê? Não sei mais. Não sabe mais do quê? Só não sei.
Ele a olhava com uns olhos de culpa e compreensão.
Ela remexia na bolsa compulsivamente.
Você tem um cigarro? o meu acabou. Não tenho.
_
Eu olho pra você e de repente tudo o que vem é um vazio imenso de amor. Um vazio que nada entende e cala. Existe um momento, dizem. Eu não sei qual foi esse momento, o que eu sei é que eu te olho e tenho vontade de gritar, porque não me vejo no seu corpo e quero sair daqui correndo, porque de repente nada do que você diz faz sentido com o que você faz e é, ou era, ou não sei mais, e tudo o que eu sentia por você ser se perde em linhas de contos mal feitos, em romances vagabundos de banca porque o meu gostar por você se perdeu em gavetas mal cheirosas, na poeira de trás da estante, não me olhe assim que eu quero te dizer, eu quero te dizer uma porção de coisas, de vazios, de silêncios, que eu te odeio às vezes, que vez em quando eu não consigo sentir, eu simplesmente não consigo, tudo o que ouço é um monte de palavras disfarçadas, eu não consigo sentir, aqui, você tá vendo, não desvia o olhar, não consigo sentir seu amor e ontem, quando saí, você lembra que eu te disse que tinha saído, lembra, eu te disse, você disse que não iria, precisava ler, estava cansado, tinha acordado cedo, ia dormir tarde, precisava estudar, ficar sozinho, ficar sozinho você disse, aquele dia, ontem, eu  acho que parei de sentir por você o que achei que sentiria pra sempre e, eu queria muito te dizer, eu dormi com alguém e de repente nada mais faz sentido e pensando agora em tudo o que eu queria te dizer, percebi que talvez eu não te ame mais.
_
Ele a olhou bem fundo nos olhos – não suportava quando alguém a olhava assim. Beijou-a lentamente, primeiro nos olhos, depois na bochecha esquerda, chegando por último na boca. Beijou-a como raramente beijava, mesmo quando ela pedia de leve, sussurando em seu ouvido me-beija. Desvendou seus cantos, despiu-a lentamente de seus segredos. Mão, dedos, língua, len-ta-men-te. Os olhos dela sorriam de agonia & prazer. Penetrou-a fundo, uma dor bonita ela sentiu. Derramou lágrimas no lugar de derramar  prazer.
Ficaram abraçados, perdidos num silêncio sepulcral.
Eu te amo, ele disse.
Ela ficou calada, quieta, imersa em si mesma. Guardou as palavras do lado de dentro, engoliu a agonia e respondeu pausadamente: Meu menino, eu queria te dizer que.
O quê?
Curto, cortante:
Eu-te-amo.
Beijou-o na testa, abraçou-o por trás, e, com o calor das pernas dele no meio das suas, percebeu que sim, que nunca seria capaz de dizer, que era incapaz de machucá-lo. 

Mais uma de amor ou Home is wherever I'm with you

 Eu não sei mais escrever e até tinha prometido que não, não iria mais escrever sobre isso. Sobre ele, sobre a gente. O amor me estendeu a mão e eu desaprendi das palavras ditas, escritas em páginas amareladas, queimadas pela cinza de um cigarro que insiste em apagar numa noite solitária de domingo.
Escrevo pouco, vivo meu romance interior e hoje sei que a verdadeira sinestesia nasce do siêncio.
Eu não quero contar uma grande história e morrer sozinha. E só hoje eu sei disso.
Encosta a sua mão na minha, porque já é frio e o  inverno me corta a pele de um jeito que existe só em sonho. Me deixa mais uma vez, só por hoje, encostar meu pé gelado na sua batata da perna quente. É você minha figura de linguagem. Minha metáfora vive escondida nos seus cantos, no cheiro dos seus pêlos, no gosto doce e infantil do seu sorriso de menino. Eu não quero escrever uma grande história, repito. Fica só mais hoje, só mais um pouco, o tempo passa, amanhã o dia começa cedo, eu sei, mas só mais um pouco, conta aquela história, canta “home” compulsivamente que eu não ligo, não reclamo, mesmo que seja na mesa do restaurante, mesmo que seja agora, mesmo que seja sempre-sempre. Me abraça igualzinho d’a primeira vez que eu quero sentir seu coração batendo contra o meu, tão-forte, tão bonito de sentir. Fica mais, não vai embora que o mundo engole e a vida às vezes pinta tudo de cores muito sem graças e a realidade só é bonita e sete-vezes-doce quando  divido meus passos com você.
Eu te amo pelos silêncios que não são desconcertantes, eu te amo pela sua entrega em ser meu e pelo nosso amor que não tem nada de resignação. Eu te amo pelas suas falhas, pelos seus erros, pelas suas manias irritantes e principalmente pela sua falta de memória. Diz que me ama de novo, que eu finjo que esqueço pra lembrar pra-sempre.
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