Avião, neurose e vontade de viver

Depois dessa bad do voo da germanwings eu fiquei obcecada. De novo. Dessa vez com avião. É complicado, amigos. Durante essa minha vida de 25 anos (mas que parecem 87), já obcequei num misto de pânico e histeria muitas vezes. Nos tempos do Orkut (sdds), encalacrei numa comunidade chamada “Profiles de gente morta” e virei uma espécie de detetive do Law and order, só que com 14 anos, acne e sem dinheiro. Eu investigava muito. Entrava no perfil dos familiares, tentava desvendar coisas que poderiam ter ficado pra trás, via as fotos, as mensagens mórbidas no srapbook da pessoa (apenas parem de fazer isso, sério!). Ficava totalmente neurótica. Passava do total apego à história para o terror noturno de imaginar que aquilo ia ficar em mim de alguma forma, tipo um encosto, bad karma, algo assim (talvez tenha ficado, nunca saberemos).
Eu era tipo a galera da globo news depois do acidente nos Alpes Franceses: apesar do pedido das autoridades responsáveis para que as pessoas parassem de elencar hipóteses sendo que ainda nada tinha sido encontrado, tudo o que todo mundo fazia era elencar hipóteses. Eu fiquei na merda com esse acidente. Uma merda bem grande. 
Tenho bad com avião, mas é tipo uma bad seletiva. Quanto mais eu voo, menos medo tenho. Mas se fico um tempinho sem viajar, já me bate o desespero. Na dúvida, levo sempre um escapulário bento comigo e rezo compulsivamente o Santo Anjo - sempre bom garantir. Mas o que eu devo fazer depois disso? Depois de perceber o quanto as pessoas sãio insanas e que coisas ruins podem acontecer a qualquer momento?
Entrei numas tão erradas, que, olha, vocês não acreditariam. Levei até bronca de amiga via Whatsapp. Li textos sobre como sobreviver a um acidente de avião mesmo sempre pensando que eu queria morrer instantaneamente quando alguma merdinha fosse acontecer. Indicaram sempre usar roupa de algodão porque polyester adere na pele em caso de incêndio (!!!!). Prefiro nem falar sobre o quanto essa imagem do tecido se fundindo à pele soou too much pra mim. Não dá. Não consigo.
Depois de muito pesquisar sobre a vida do co-piloto, ver fotos das vítimas e concluir que nunca mais vou entrar num avião, decidi parar com isso e tentar superar todas as histórias bizarras que já aconteceram comigo em voos. Apenas para citar uma, de Porto Alegre para Londrina, com escala em Curitiba, uma mulher que havia feito curso de comissária veio tremendo a viagem inteira e falando sobre o quanto tinha medo de avião (eitcha Freud! se isso não for gozar do sintoma, não sei o que é). Ela desesperava a cada tremidinha que o avião dava. Nem eu, que sou meio passada, seria tão louca assim! Quando paramos em Curitiba, ela olhou pra mim e falou: “- Bom, agora que eu já cheguei, vou te falar porque não pode sentar em uma poltrona que não é sua. É pra facilitar a identificação dos corpos em caso de acidente.” E daí eu te pergunto: que tipo de pessoa em sã consciência, que fez um curso de comissária de bordo, fala isso pra um passageiro? E tipo, caso um acidente aconteça, eu morri, sabe? Não vou ficar me preocupando previamente com a identificação do meu próprio corpo. Ela foi muito escrota, sério. Tenho ódio dela até hoje porque voar nunca mais foi igual depois disso. Pra piorar tudo, esse voo estava cheio de um pessoal de um coral religioso e não conseguiu pousar de primeira em Londrina. Pensei: vou morrer com certeza. Não aconteceu.
Optei por nunca mais voar e conclui que ônibus também não é uma boa ideia, nem carro, nem sair de casa. A melhor opção é ficar mesmo em posição fetal assistindo Netflix. Daí hoje acordei e decidi que vou parar com isso. Parar de encanar com os voos e tudo mais, ou ia ter que passar de uns fitoterápicos ok para ansiedade (inclusive indico muito Pasalix) para um Rivotril, no mínimo. Tudo mais = a vida. Provavelmente não vou conseguir? Sim. O problema é que eu sou control freak e é muito difícil aceitar o quanto somos absurdamente frágeis. Todos nós. For here am I sitting in a tin can / Far above the world / Planet Earth is blue, and there's nothing I can do...


 É muito fácil morrer, concluí numa conversa com a minha mãe esses dias atrás. Como será que é? Espero não descobrir tão cedo. Tem muito lugar pra ir ainda, muito medo pra passar, muita nóia, muita coisa pra obcecar. Muita vida, afinal.

Como se eu não fosse uma pessoa de verdade

Pareço uma barata tonta tentando entender o que significa você ter ido embora.
Te deixei no aeroporto e fui resolver coisas da vida prática, tipo procurar uma estante para os livros na loja de móveis usados. Simulei a sua não ida, quase como se você nunca tivesse chegado. Uma ausência de dor, de repente. Não sinto nada.
A cidade parece sonolenta, como se nada fosse real. Nem eu, nem você, nem as turbinas do avião zumbindo no meu ouvido.  

Clare Elsaesser
Hoje o relógio soou às 08h. A gente tinha planos de acordar, buscar pão francês, fazer um café da manhã gostoso e ficar bem perto, recapitulando o nosso plano meio torto, conversando sobre como seria mais fácil a gente não ter ambição alguma e ficar pra sempre numa cidade pequena trabalhando numa empresa medíocre. “A gente podia ficar por aqui, trabalhar em qualquer lugar x e construir um império”, você disse, meio rindo. “Deve ser bom não pensar o tempo todo. Apenas ir vivendo mesmo. Tipo sair do trabalho de 8-horas-por-dia-com-duas-horas-de-almoço-e-carteira-assinada, comprar queijo e presunto no mercadinho da esquina, chegar em casa, comer e dormir”, eu disse. “Na verdade deve ser horrível ser assim”, a gente pensou.
A função soneca tocou às 08h15, 08h45 e depois 09h00. Acordamos atrasados e você me olhou com cara de tristeza quando viu que o tempo estava bom. A gente tinha torcido pra dar um temporal bem feio para o voo ser cancelado.

Cheguei em casa sem você. Tudo bem, eu sempre chego em casa sem você, já que a gente não mora junto. Mas hoje eu cheguei efetivamente sem você. Até os prédios me olharam com pena. Tenho vontade de ligar para todos os meus amigos e pedir para que todos eles venham até mim, façam fila na minha porta, me tragam vasinhos de suculentas, me sugiram séries novas para assistir. Tenho vontade de pedir socorro, de rasgar os documentos, o passaporte, as fotos antigas e começar tudo do zero com você. Mas não posso fazer isso, porque 1: simplesmente não dá agora 2: preciso do meu RG pra pegar o avião pra te visitar no mês que vem.

Eu te disse que ia ser legal, que Porto Alegre é bacana, que a gente vai poder ir pra Gramado, Canela e pra Montevidéu com toda a certeza. Mas é mentira minha. Eu odeio Porto Alegre com todas as minhas forças nesse momento. E odeio o fato de o único voo direto pra essa droga de cidade ser com uma merda do avião de hélice que quase caiu na única vez em que você o pegou.

Olhei pro espelho do meu banheiro de um jeito firme, apertei os olhos querendo chorar. Sempre fazia isso quando eu sofria na infância. É tipo um jeito tosco de ser espectadora da sua própria tristeza e ao mesmo tempo dirigir de forma minimante estética as próprias emoções. Não preciso dizer que nunca dá certo. Eu não consegui chorar. Tá preso aqui, 1 cm embaixo da glote, o que causa um bolo estranho na faringe e uma falta de ar. “Meu coração tá quebrado”, eu falei depois de te dar um beijo e cheirar o seu pescoço. “Eu te amo. Vai dar tudo certo”, você disse com cara de desespero e com uns olhos de criança.
Vai, sim. Claro que vai.
Mas agora, assim, enquanto o ponteiro não gira, enquanto a vida não ajuda, eu sinto como se o tempo tivesse parado na hora em que você entrou no portão de embarque. Eu sinto como se eu não fosse uma pessoa de verdade.
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