Uma história de solidão

Ah, o amor. Troço de loucos. Não sei se desacredito ou saio por aí gritando. O fato é que vi. Vi da janela. Sim, pode me chamar de voyeur ou do que quiser chamar. Mas não deu pra acender um cigarro e simplesmente ir ouvir billie Holiday ou qualquer jazz que o valha.
Eles estavam nus. Um de frente ao outro. Nus! E dançavam!
E eu, da janela da frente, com um cigarro vagabundo na mão e o pau querendo ficar duro só conseguia pensar: solidão dói pra porra.
Mas não, eu não vou ficar falando de mim.
Vamos voltar pra eles. Os dois seres branquelos e nus. Na verdade não dava pra ver claramente se eles eram tão branquelos assim. Mas a luz da lua deixa tudo tão branco e tão bonito...
Eles estavam nus e dançavam. Dançavam nus uma espécie de valsa desajeitada: os corpos juntos, o pênis já enrijecido entre as pernas dela, as bocas se encostando lentamente, os cílios pesando sobre os olhos, o sorriso levemente aberto, os cabelos caindo sobre os ombros, ou será que eu já estou inventando tudo? Não sei bem. Talvez seja o vinho, o cigarro barato, a vodka de ontem. Se bem que aquilo não era vodka, era álcool puríssimo. Talvez seja só a solidão-parede-vazia. A solidão-nenhum-porta-retrato. A solidão crua e sem métrica.
Eles dançavam. Mas alguma coisa aconteceu antes, se bem me lembro. E não me lembro bem, que fique claro. Quando eles ainda estavam de roupa. Sim, ainda de roupa eles começaram a fazer uma espécie de jogo. Um jogo belíssimo daqui de onde eu olhava.
Primeiro ele desabotoou a blusa dela.
Depois ela arrancou a dele.
Ele abriu a calça dela e tirou-a também, abaixando-se juntamente. Depois tirou as duas meias.
Ela abaixou também, os dois riram de algo que, daqui de onde eu olhava, não consegui ver. Subiram novamente. Feito dois atores de um filme francês do Honoré, debochavam de mim sem me saber ali, atravessando as cenas, rindo onde não se deve, tocando previamente o sexo um do outro – mal sabiam eles que é desse tipo de filme que eu mais gosto.
Subiram novamente. De pé. Um de frente ao outro. Ela tirou a calça dele. Já nus, se abraçaram.
Eu podia sentir aquele abraço. Os corpos brancos o sexo duro o sexo úmido o coração gritando a respiração na nuca a textura do cabelo dele o arrepiar dos pêlos dela. Fechei os olhos por um instante, colocando meus dois braços em torno de mim mesmo, numa tentativa falha de também me sentir abraçado, de matar a solidão, de espalhar porta-retratos pela casa, de preencher o branco das paredes. Quando os abri, eles já estavam dançando. Dançando do jeito que eu contei a vocês há pouco. E dançavam. E riam. E davam peso pra levíssima vivência dos dois. E se materializavam em palavra e em poesia de um jeito que todos esses livros embaralhados na minha estante nunca conseguiram. E dançavam e rodavam e se amavam. E eu sabia, daqui da janela, eu sabia que eles sabiam de tudo isso, que tinham a plena consciência do quão raro e bonito era aquele momento e do quão plenos eles se sentiam apenas por estarem nus e dançando enquanto eu fumo o antepenúltimo cigarro do meu segundo maço de hoje.
Um pouco depois ela o abraçou com as pernas. Sabe o que eu digo? Você sabe, não é? Assim: pulando e puf: eis o abraço com pernas. E daí caíram juntos no que imagino que seria um colchão no chão, já que a minha observação terminou por aí.
No entanto, a solidão por aqui ainda é grande. Quiçá maior ainda. Nem mil punhetas tirariam o peso dos meus olhos, do meu coração. E tudo o que quero agora é o último cigarro do segundo maço e uma história pra viver, não pra contar.

5 comentários

  1. adorey aqii.
    to seguindo.
    beijos :*

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  2. gomen --'
    agora foi qe li o texto inteiro u.u'
    e me arrependo de nao ter lido antes.
    PQP!!! esse texto é do karalho :DD

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  3. suspirei com a última frase, devo dizer. você escreve muito bem, vou seguir aqui! :*

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  4. Me arrependo de não ter te lido antes. Que texto franco,direto,ótimo.
    Parabéns

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