Das palavras cruas

(Para se ler ao som do silêncio)

Isso era pra ser um conto. Eu, egocêntrica que sou, personagem principal. Acontece que não sei brincar de me ficcionar. Sou pura autobiografia. 
Tive tanta saudade da palavra. Assim: de repente. Uma saudade do verso, da prosa, do cansaço que bate no corpo depois de terminar uma história cheia de quereres.

Tenho vontade de me reescrever.
Do alto dos meus 20 anos, de repente tive medo de me perder de mim. Me errar por dentro como se erra o desfecho de um conto (os finais sempre nascem por si só). Eu me nasço. Mas tenho morrido tanto.
Quero escrever, porra.
E a vida não deixa. O tempo gira rápido, dia, tarde, noite. Acabou. Cama, sono. Um livro caído no peito e nenhum verso no caderno-rosa-ainda-vazio. 
Eu quero escrever e sinto uma angústia gigante por não conseguir. Por não ter esse tempo de respiro - de suspiro. Minha angústia é palavra enganchada do lado de dentro, presa nas amígdalas, perdida entre os cabelos. 
Escrever é uma grande maldição. Às vezes me pego pensando que o fato de eu ser assim - tão desassossegada, tão presa dentro de uma música do Radiohead - tem a palavra como principal culpada. A palavra lida, que percorre todos os órgãos e cai de leve no coração em forma de pulsão. Pulsão de escrita.
Eu quero escrever. 
Escrever que tenho pena dos casais que dividem mesas de restaurantes sem trocar nenhuma palavra, dos homens que nunca sentirão o gosto doce do amor-sexo bem feito...
Eu quero escrever sobre um monte de coisas a toda hora. Mas só consigo ficar num mesmo e maldito assunto. Meu eu em você. Ou como todos os romances do mundo ficam sem graça e todas as palavras do mundo não fazem sentido quando tudo o que tenho é seu corpo colado ao meu e tua palavra crua colada à minha desordem. O resto se resume apenas em livros na estante e roupas jogadas em volta da cama. 
Não quero saber da palavra que não seja sentimento-carne. 

3 comentários

  1. querer escrever e não conseguir é uma das maiores frustrações de sempre.
    tu tem o verso que a pena não quer escrever, a poesia que inunda a vida inteira, e uma porção de folhas e arquivos do word em branco.

    mas como disse outro poeta, o Bukowski:
    "when it is truly time,
    and if you have been chosen,
    it will do it by
    itself and it will keep on doing it
    until you die or it dies in you.

    there is no other way.

    and there never was."

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  2. A grande frustração da vida é não conseguir escrever. Eu lembro que eu me dei conta disso há muito tempo, numa aula de redação. Depois de todos os 10 do mundo segurei na mão da professora e disse "Olha, eu não consigo mais. Não dá". Ela me disse que dava sim, que "tinha-que-dar" que às vezes a vida não dá brecha pra frescura.

    Depois foi a vez do rilke perguntando pro jovem poeta se "Responda à pergunta morrerias se não escrevesse?" e olha, eu me dei conta que morreria sim.

    É que viver sem palavra pra quem escreve é como estar doente. Doente de sentimento. Só cura quando a palavra sai. Se não sair nunca mais, a gente morre.

    À propósito, você também é ótima. Adoro vir aqui.
    Beijo (:

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