05:26

O sono me erra. Meu cachorro late à noite toda, minha mãe adormece em uma poltrona fria, minha avó resmunga em um leito de hospital. Meu amor está longe (no entanto perto).
Queria poder fechar os olhos e não ver mais nada. Tenho me cansado de latidos. O filme na tv é apenas pretexto para iluminar a madrugada escura e o nó na garganta é reflexo da solidão que invade tarde da noite.
Estou fascinada com a forma com que a vida consegue ser feia e bela ao mesmo tempo.
Me sinto Clarice. Quero uma Olga. Preciso. Um cigarro, um fogo no quarto, um cachorro chamado Ulisses.
Preciso de mar, de água, de uma voz que saia e de um amor que dure pra sempre.
A noite é longa. 05:30. As palavras raspam a parede da minha garganta e tudo o que consigo sentir é uma vontade imensa de gritar e vomitar tudo o que não sinto – ou que sinto tanto – em palavras que extrapolam o dicionário.
Lembro de pessoas. O homem com o cigarro na mão direita, a senhora maltratada pela neta no hospital, a mulher chorando ao enxergar a morte de perto – deitada ao lado. Morro de medo da loucura. Me apego à realidade inventada para fugir dela.
Minha realidade tem gosto de mel.
Eu odeio mel - apesar de ser doce.
[Então que seja doce, ele disse]
Mas é que tudo me dói de um jeito muito próprio nessa madrugada em que a primavera mais parece inverno cortante. Pareço uma criança boba dentro do pijama rosa e da japona azul. Uma criança boba e com medo de escuro. Uma criança que eu sempre acabo sendo.
Queria um cigarro, a velha companhia na sacada, um disco na vitrola que não tenho e uma máquina de escrever no canto do sótão. Uma máquina que não tenho, em um sótão que não existe. É que sou toda assim: não me caibo em mim mesma. Vivo em sótãos e porões que invento, escrevo amores que não sinto e sou pouca palavra quando sinto tanto.
Só escrevo quando a agonia arde até os ossos. Só amo quando o querer alcança o coração.
Não sei mais o que quero dizer.
Água-viva.
Criança, burra, insone.
Tudo o que quero realmente é poder dormir.
05:37.

5 comentários

  1. voce escreveu tudo, exatamente tudo que eu estava sentindo a minutos atrás, nao me livro de agonia de ver a vida bela e feia de querer sempre mais de nunca sair como planejado, e no fim, eu ajo como uma criança somente isso...
    obrigada pelo texto, estou te seguindo beijos.

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  2. agoniantemente aprecio seu texto, fiquei com diversas formas de interpretar. Qual será?

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  3. um doce todas essas palavras juntas, desse jeitinho.

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  4. Juro como nunca me identifiquei tanto em um único texto. Sou estudante de jornalismo, tenho uma insonia que me pertuba todas as noite e uma vontade imensa de conseguir gritar tudo o que eu sinto. Parabéns.

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  5. Alexandra! gente, acho que não tem coisa mais legal de ler do que isso que você escreveu. eu, como aprendiz de escritora, fico feliz quando vejo que alguma coisa tão particular minha tem um caráter universal também. fiquei muito feliz que você tenha gostado. obrigada, viu?
    beijos!

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