O dia em que o cachorro que queria ser gente morreu

1997
Volto a ser a mesma criança de sete anos que te pegava no colo e não queria nunca mais soltar, que colocava camiseta pequena na sua cama pra você não sentir minha falta à noite, que chorava pra você quando ninguém mais me ouvia.
Não consigo ser adulta, ainda tenho sete anos dentro do meu coração.
Dentro da minha realidade você ia durar pra sempre, ia correr saudável com os meus filhos e morrer de ciúmes deles de tão egoísta e neurótico que você era. Que horrível te lembrar em passado. 
Não lembro de como era a minha vida antes de você. 
Hoje é a primeira vez em 14 anos em que entro em casa e você não está deitado na caminha, nem esperando a gente na porta - você sempre sabia quando estávamos chegando.
Você ainda está em todos os lugares, na ração que já não conseguia mais comer, no pote de água em que esbarrava sem querer por já não conseguir mais enxergar, no seu cantinho do xixi que sempre amanhecia todo sujo porque você não conseguia mais saber onde estava. 
Eu vou sentir tanto a sua falta, Pitt. Muitomuito mesmo. Nunca mais vai existir um cachorro tão gente assim. Vou sentir falta até das suas crises de mau humor repentino que renderam várias mordidas e lágrimas de chateação. Como é que um cachorro tão bem cuidado é tão bravo assim? Mas a gente sabe, Pittico, a gente sabe o quanto você amava a gente, o quanto cuidava... O quanto ficava nervoso e latia sem parar quando eu chorava por algum motivo.
Eu nunca vou esquecer de você, filhinho. Nunca-nunca. 
Escrevo pra guardar cada coisinha - o modo doce como você ia me acordar pra me levar na escola, o susto da sua primeira tosa em que eu e mamãe achamos que tinham mandado o cachorro errado, as birras porque às vezes não fazíamos o que você queria, a sua boa relação com gatos e o seu ciúme da caminha, da roupinha, da gravata e de tudo o que ficasse por mais de meio segundo do seu lado.
Você morreu me olhando e quero guardar o seu olhar pra sempre dentro do meu peito, bem rente ao coração.
Sou a mesma criança que aos 7 anos dizia pra todo mundo que você se chamava Pitt Pitoco Pitucho Barnabé de Moraes Boldrini Pinto e que escreveu na redação da escolinha que o que mais gostava em você era o modo como você sorria.
Desculpa, Pittico. Pela falta de paciência em alguns momentos e por todas as outras pequenas coisas. Eu te amei muito. Eu te amo muito. Ter você por 14 anos na minha vida foi um jeito bonito - e doloroso agora enquanto digo e te imagino já bem longe daqui - de aprender o quanto os animais nos ensinam da forma mais sincera o significado de amor e carinho. 
Era pra ter sido você, meu poodle que queria ser gente. 
Eu que sempre te carreguei no colo, agora te carrego do lado de dentro. 
Vai Pitt, vai ser cachorro num mundo mais bonito que esse.

(04.01.2011)

9 comentários

  1. ai layse, dá licença.
    tive que ler em voz alta aqui no trabalho,aos prantos.Pittico deve estar sorrindo.certeza.

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  2. quase chorei.
    controlando.
    olhos-cheios-d'água.

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  3. É realmente descrição muito sensível.
    Impossível foi para mim não comparar sua narrativa à lembrança de meu próprio cão: um poodle de pelagem negra - agora esfiapado de brancos - de 14 anos, a três meses de completar 15, meio cego, inteiro surdo, com pernocas que mais tremem ao invés de permanecerem calmas e sadias. Embora ainda dê canseira, correndo a todos os cantos, fico encarando-o, vez em quando, ainda mais agora em que já não moro com minha mãe e não tenho a convivência diária com ele, e pensando: aonde irão os animais de estimação depois que morrem?
    Não morrem, acho; eternizam-se dentro de nossos peitos, ressuscitam em nossos sorrisos.

    Abraços.

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  4. Parabens pela cronica
    Belissima
    Passei aqui lendo. Vim lhe desejar um Tempo Agradável, Harmonioso e com Sabedoria. Nenhuma pessoa indicou-me ou chamou-me aqui. Gostei do que vi e li. Por isso, estou lhe convidando a visitar o meu blog. Muito Simplório por sinal. Mas, dinâmico e autêntico. E se possivel, seguirmos juntos por eles. Estarei lá, muito grato esperando por você. Se tiveres tuiter, e desejar, é só deixar que agente segue.
    Um abraço e fique com DEUS.

    http://josemariacostaescreveu.blogspot.com

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  5. Pô baby..
    Assim vc derruba a minha máscara de durão...
    isso não se faz.
    Tive um cachorro aos 15 anos que morreu quando eu fiz 17. Fiquei tão mal na época que desde então, nunca mais voltei a ter um cachorro.Sorry.

    Aproveito para te dizer o quanto lamento por não ter lido mais seus textos tão humanos.Comecei a ler o primeiro e não consegui mais parar. Eles tem aquele tom dolorido dos textos de Caio F que eu tanto gosto. O que o torna mais saboroso é o fato de vir de uma mulher, falando do ponto de vista feminino da dor, o que pra um homem é sempre surpreendente.Espero ter tempo para corrigir o erro de não ter passado aqui mais vezes.
    Parabéns, muito especialmente por "Escuta, ainda não acabou",que me fez sentir um pouco da dor de "pra uma avenca partindo" de Caio.

    Aproveito para te convidar para repassar no Spleen Rosa Chumbo.Eu retorno e estou convidando os amigos para compartilhar o que talvez seja a última página do spleen-rosa-chumbo,dessa vez muito pouco rosa e muitissimo chumbo.

    Traga uns lenços, uma pipoca, uma vitamina k(para cicatrizar),um estojo de primeiros socorros,um estõmago forte e um coração à prova de bala.

    Grande abraço

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  6. foi dificil mas segurei as lagrimas aqui no trabalho, me lembrou muito o meu cachorro que morreu aos 12 anos... é estranho como eles são cachorros-filhos... vai saber. mas muito bonito Layse, emocionante!

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  7. tá, agora eu visito esse blog também. se vc queria cativar, nao haveria um jeito melhor. chorei litros. li-tros! e nao consigo parar! que ódio layse!! (ódio bom, isso existe?). Me identifiquei até o fundo. Eu também tive uma filha que hoje chamo carinhosamente de "a falecida". Ela tá dormindo nos fundos do quintal de casa, lindona. Ficou velhinha com a gente, cuidamos dela até o fim, quando era preciso levanta-la do chão, ja que ela não conseguia por causa da artrite, e e quando precisávamos amolecer a raçao no leite para que ela conseguisse comer. Sabe, quando eu era criança eu também fantasiei que ela brincaria com os meus filhos =). E quanto a sua perda, a saudade fica, mas a dor passa. prometo!

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  8. Raquel, fiquei super feliz de saber que você visita meu coração non sense também :)
    ai, é tão tenso viver isso, né? tenho recebido algumas mensagens de pessoas que também se identificaram e é bom, porque - de uma forma ou de outra - a gente acaba dividindo a dor e deixando ela mais bonita, né?
    a realmente, a dor está indo embora e deixando lugar pra uma saudade bonita de todos os 14 anos que o pittoco viveu junto com a gente!
    triste, mas tão bonito dividir a vida e receber amor desses bichinhos, né?
    beeeijos e obrigada por ser minha leitora aqui também haha

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  9. O dificil é não tomar pra si esse texto.
    Há quatro anos, meu cachorro morreu aos 17 aninhos assassinado com uma facada. Ele estava chegando à meia idade, ainda dava muito trabalho. Tinha uma mania terrivel de sair por aí sozinho, e voltava uma hora depois todo sujo... kkk' E hoje me pergunto pra onde eles vão depois que morrem? Acho que se fragmentam em pequenas partes amor-saudade pra se esconder dentro da gente.

    To te seguindo ta?
    Gostei muito daqui. *-*

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