Você tem que entender que eu sou filho único

Já me doí muito por ser filha única. Lembro que pedia chorando pra minha mãe ter mais um filho, peloamordedeus. A dor passou depois dos 7 anos, a tal primeira infância, responsável por todas as merdas que ficam na nossa cabeça pela vida toda. 
Agora, adulta, me encontro de novo com aquela menina magricela de cabelos armados da cidade pequena, a menina de sete anos. Me encontro com a gata Nick que morreu no parto, com o Pitt que tinha acabado de chegar naquela época, com o cheiro da caixa econômica, onde minha mãe trabalhava, e que até hoje me faz sentir saudade de alguma coisa que eu nem sei direito. Café, chá mate sem açúcar, papel.
(Fomos sempre eu e você, mãe.) 
Está aí a grande verdade: ainda durmo no ombro, ainda estou agarrada ao seio, sugando amor & cuidado da única pessoa que não precisa dizer uma palavra, não, não precisa dizer, nem fazer nada. A única pessoa que me faz sentir um amor bonito, pleno, mas que dói sem parar. Amor-mãe, amor de útero pra útero. 
E de repente, num tempo tão rápido que eu mal percebi, eu cresci. E crescer dói. Olhar pra isso tudo em volta e ver que eu quero tão mais, que preciso de tão mais. E que esse tão-mais não inclui o ventre materno.
Como naquele trecho de autor desconhecido em O ovo apunhalado, eu quero a doçura do verbo viver. E não vejo a hora de abrir portas e janelas de um lugar que não é aqui, de experimentar o gosto de um café que não é dessa cidade, de dormir em um colchão que não é o meu. 
(Tenho tanta fome de mundo, mãe. Fome de ir em direção a mim mesma. Travessia.)
Mas você tem que entender que eu sou filho único.  E filhos únicos são seres infelizes.

Crônica de uma vida anunciada

Vendo-a assim, dentro do marco idílico da janela, não quis acreditar que aquela mulher fosse quem eu pensava, porque me recusava a admitir que a vida acabasse por se parecer tanto à má literatura. (García Márquez  em Crônica de uma morte anunciada – p. 131)

A grande verdade é que viver é um saco. Estou no ápice do meu inferno astral e, principalmente nessa época, queria não acreditar em astrologia. Mas acredito. E parece que quanto mais se acredita mas ele bate. Bateu por aqui. Mas já havia batido antes, bem antes da fatídica faixa da desgraça emocional do mês antes do aniversário. 
É engraçado fazer um flashback do que eu quis ser em vários períodos da minha vida. Já quis ser astronauta quando era criança, arquiteta na pré adolescência, psicóloga na adolescência e quando a enxurrada de hormônios deu um tempo, soube que eu ia querer escrever pelo resto da minha vida. Calhou então de fazer jornalismo e as Letras vieram quase que por acaso. Hoje, na noite anterior à entrega de um dos tão almejados canudos que anunciam o começo do fim das barras da saia de mãe, não sinto a mínima vontade hollywoodiana de jogar o capelo, aquele chapéu bizarro, pra cima. Não existe câmera lenta e provavelmente nem existirá um discurso bonito. Só longas horas de uma espera que foi tão grande mas que quando chegou não sei bem o que quer dizer. Querendo ser Truman Capote mas sendo o Dan de Closer, escrevendo obituários. Ou nem isso.
A verdade é que viver dói pra caralho. E o uso do palavrão é útil porque parece fazer sossegar um pouco o coração que anda afoito pra comer o mundo. Não sei onde colocar as mãos, preciso de um cigarro na mão esquerda e de alguém pra segurar a mão direita. Leio sites inúteis, brinco com o gato, choro vendo filmes, nenhum livro parece ser o suficiente. Vivo apesar de. E eu, defensora maior desse "apesar de" que sempre me empurra pra frente e me faz conseguir enxergar o doce no amargo, tenho me contentado dia a dia com um ranço que nunca me pertenceu. Inquieta, burra, personagem secundário de um livro ruim. Só não uso o adjetivo "infeliz" pra não parecer drástica demais, perdida nesse universo de realidade e drama. Mas sim, talvez infeliz. Insatisfação pura, sem gelo. Bebendo em tragos rápidos, pra não sentir demais o que desce raspando goela abaixo.
O nó na garganta, que antes se resumia a amores mal vividos, agora se resume a uma crônica de uma vida anunciada que não está parecendo nada amigável. 
Não existe amor em SP, meus caros. A má notícia é: nem em nenhum outro lugar.
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