Sem título

 "Onde vamos estar quando eu olhar para trás? Será que o agora vai parecer o início de uma vida incrível ou... ou o quê?" ( Jennifer Egan em A visita cruel do tempo, p. 172)

O avião pousou e o ar dessa cidade me atacou a asma, a dor de cabeça, a cólica menstrual, a vontade de não estar mais perto. Um gosto um pouco amargo de perceber que o aqui não faz mais sentido. O que faço do lago e das cabines de telefone vermelhas?
No voo, uma dessas conversas aleatórias que a gente tem em situações x acabou me fazendo pensar muita coisa, como o fato de não ter acontecido tanta coisa errada quanto eu sinto que aconteceu nesse ano. O problema está somente na minha dimensão dramática que sempre erra o tom. Atividades: errar o tom, chorar na hora imprópria, querer o que não posso ter agora, sofrer de felicidade clandestina - fato citado por um médico homeopata como diagnóstico: o seu problema é que você sofre de felicidade clandestina. Suspiro. O fato é que aconteceram duas ou três coisas erradas, sim, mas o cansaço desse momento talvez esteja me fazendo ver que meio que tá tudo bem em as coisas não saírem exatamente como eu espero que elas saiam.
O homem que eu não sei o nome e que sentou ao meu lado deve ter uns 40 anos, tinha um sorriso que me fez pensar que provavelmente ele seria alguém por quem eu me apaixonaria facilmente. Autor preferido: García Márquez. Livro preferido: Amor nos tempos do cólera. Bom.
Ele me perguntou sobre meus planos e eu contei o A, se as coisas derem certo, o B, se as coisas derem mais ou menos certo, o C, se as coisas forem decepcionantes e o D, se tudo der muito errado. Ele disse que achava que o A daria certo, que faz sentido ser o A e que tá tudo bem. Tá tudo bem. Tá tudo bem - eu repito pra acreditar.
Contei pra ele sobre o fato de eu ter uma esperança meio burra de que se as coisas não deram muito certo até agora é porque ainda tem algo muito bom pra chegar. Típico papinho de gente que quer ser positiva por ser extremamente negativa, entende?
Ele me olhou e disse que dava pra perceber que eu tenho sede de vida. E perguntou o que eu estava esperando com um tom de voz bonito, de quem tenta ajudar. Eu sorri porque sou altamente impressionável e gosto quando a realidade me presenteia com uma cena clichê que parece bobagem mas acaba sendo bonita dentro de mim.
E fico assim, no velho quarto, os livros postos na estante, separados por uma lógica que é só minha, os post-it's colados na TV antiga. Renovação biblioteca: 30/10 Mestrado! 15 a 31/10 Especialização 24/09 a 31/11.
Vida = romance ruim. Escrevi isso dia desses no caderninho que sempre carrego comigo.
Não sei se o cansaço me emburreceu ou resignou, mas, pela primeira vez nesse ano em que tudo  parece  dar tão errado, eu vou dormir com uma sensação de que sim, tá tudo bem e tá tudo bem e tá tudo bem. E, com os olhos quase fechando, tenho uma certeza talvez estúpida e inocente de que  a vida começou a ser legal comigo.



5 comentários

  1. muito bem escrito, gostei muito. O sem titulo foi proposital ou realmente não conseguiu intitular?

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    1. Hélio Netho, obrigada! O não-título foi proposital sim :)

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  2. Como você escreve bem! Me sinto absolutamente assim em 2012!

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    1. obrigada pelo elogio. <3 2012 não tá fácil pra ninguém, fato.

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  3. Que coisa mais incrível. Gostaria muito que meu plano A faça sempre sentido, no fim das contas é tão triste ter que planejar um D, pensando em tudo que faria o A não dar certo.

    Também gostaria muito de ter uma conversa desse tipo com algum estranho qualquer.
    Mas já me sinto extremamente bem por ter lido seu texto, ficou uma sensação no meu peito, sem título também.
    Acho que vou ler outra vez. Obrigada.

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