Palavra viva


Eu era realmente terrível quando mais nova. No colégio, lia livros em todas as aulas - nas de exatas, lia porque não gostava, nas de humanas, com uma ou outra exceção, lia porque achava que já dominava o suficiente para ir bem nas avaliações. Pensamentozinho medíocre, hoje eu sei. Mas era o que parecia certo na época. Li Meu pé de laranja lima na aula de física e fui abraçar o professor quando terminei, morrendo de chorar. Ele entendeu e disse que também havia lido o livro quando mais novo. E tudo era mais ou menos assim. Sendo odiada por alguns professores, por outros nem tanto.
Uma coordenadora certa vez chamou a minha mãe para conversar e decretou:
- Sua filha não tem mais jeito.
Eu nunca tive jeito mesmo, minha cara.
O fato é que me deu vontade de relembrar. Isso porque acabo de encontrar aquela que foi a minha professora de português e redação no ensino médio. Encontrei em uma rede social, mas foi como se tivesse cruzado com ela pelo antigo corredor. Rita. Rita é mulher que botava medo em todo mundo sem precisar levantar a voz, lidando apenas com o volume absurdo de uma palavra bem colocada.  Nunca conheci alguém que soubesse tanto da língua portuguesa como Rita. Dava medo. Mas também dava vontade de querer saber.
Rita me alcançou quando tudo o que eu queria era sair mais cedo da aula para beber uma cerveja no bar da rua de trás. Rita me enxergou quando eu mesma ainda não me enxergava. Em meio a vários estudantes disciplinadíssimos, ela um dia disse, em alto e bom som,  que a minha redação era um exemplo de texto que receberia nota máxima na Fuvest. Os estudantes dedicadíssimos chocaram. Eu choquei. E sorri meio boba, quase não acreditando.
Aos poucos, a Rita foi investindo. Conversamos sobre jornalismo, curso que acabei fazendo depois, e ela foi uma das responsáveis por fazer nascer em mim a vontade da palavra viva, que, por coincidência, é exatamente o nome do curso de português e redação que ela dá hoje em dia. Não poderia existir nome mais adequado, Rita.
Esse texto é um suspiro, um nó na garganta, pra dizer que sim: suas investidas me alcançaram. E que me deu até dor de cabeça de tão emocionada que eu fiquei com a sua resposta, que transcrevo abaixo:

“Como me esquecer de olhos que brilhavam frente a algumas metáforas empregadas? Saiba que não a perdi de vista... segui seu blog, textos... Alegria imensa tê-la mais perto. Deus a proteja, muito!! Beijão.”

E vou assim, catando palavras, de um jeito meio torto mesmo, pra fazer essa crônica cujo mote é pequeno, banal, bem típico do gênero, mas o sorriso desse fim de domingo não poderia ter sido maior. 

3 comentários

  1. Voltei no tempo e juro que te vi na sala, balançando a perna enquanto lia.
    Um dia te disse que taria no primeiro lugar da fila quando você lançasse um livro-lembra?-acho que não. Mas aqui to eu, nos primeiros lugares da fila de tudo que escreve: você deita Lay.

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  2. É muito bom quando um professor consegue nos ver na multidão...

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  3. Fiquei muito emocionada e saudosa ao ler seu texto, Layse. A rita também me enxergou no meio da multidão. Eu tinha muita preguiça de escrever. Muita mesmo. Fazia tudo de qualquer jeito, querendo terminar logo pra poder dormir ou ler um livro. Até que um dia eu fiz uma redação melhorzinha, ela me puxou de canto e disse "você melhorou bem, você tem potencial, continua se esforçando". Aí resolvi que podia tentar. Fiz outra e ela me deu 10. Aí me puxou de canto de novo dizendo que eu escrevia muito bem e que não podia ser preguiçosa. Numa das minhas crises atrasei umas três redações. Ela veio perguntar o que tava acontecendo. Disse: "eu tô bloqueada, Rita. Não consigo mais escrever não". Aí ela disse: "Larissa, para, tenta, tenta até conseguir que você consegue. Você é boa, não existe isso de 'não consigo mais'". Acho que se não fosse ela eu talvez nunca tivesse descoberto que gosto - e até sei - escrever. Ela era realmente uma pessoa iluminada. Espero que continue encontrando outros e outras na multidão.

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