Trabalhar no que se ama: overrated ou a melhor decisão da vida?

O post "Precisa mesmo fazer o que se ama?" acabou tendo uma repercussão bem legal, então, para quem quiser ler mais sobre o assunto, indico:


“Não é todo mundo que pode, efetivamente, largar tudo e botar um mochilão nas costas (e aqui não faço nenhum julgamento moral sobre isso, é só uma questão de oportunidades e de classe), isso gera uma ansiedade absurda em quem já se sente oprimido pelo trabalho” [...] O problema é que o que circula são sempre os casos bem sucedidos. De quem pediu demissão e inventou um negócio bem sucedido. De quem nunca trabalhou em uma firma e vive de frila, rodando o mundo enquanto escreve uma ou outra matéria. Mas o que eu sempre me pergunto é: quem pode, efetivamente fazer isso? Eu acho restrito, ingênuo e glamourizado.


"As pessoas vão morar em Berlim para viver, não para trabalhar."


"Não sei se desistir de tudo e fazer o que você realmente gosta é uma atitude tão corajosa assim. Eu conheço muita gente que é apaixonada pela profissão que escolheu e está desistindo."


"Nem todo mundo pode, nem todo mundo quer."

E você? O que pensa sobre trabalhar no que se ama? Precisa mesmo? Tem necessidade de tanta pressão em relação a isso? É mesmo do trabalho que a gente deve retirar a nossa felicidade? Escreve aí nos comentários ou ali no facebook.

Abaixo, as respostas de algumas das pessoas com as quais eu falei - grande parte tem, mais ou menos, a mesma idade que eu (25):



"Overrated."

“A gente só tem que parar de pensar que é esse o caminho.”

 “Quais os esforços para se trabalhar no que ama? Amar algo e trabalhar são inversos. Amo gravura e amo dar aula, odeio me submeter àlgumas coisas da arte e odeio toda a burocracia e a péssima qualidade de ser professora do Estado. Melhor que trabalhar em outras coisas? Sim, mas nesse processo de transformar aquilo que amo em trabalho sinto tudo meio desgastante. Perde o tesão.”

“Fantasia de baby boomer.”

“O salário não acompanha o amor.”

“Eu acho incrível.”

“Eu sinto que o resto do mundo que caga pra isso é mais feliz. O que você ama pode se tornar uma merda quando você não tem reconhecimento, não tem retorno. Ainda dou valor pra isso e me sinto uma idiota quando vejo as pessoas que não dão passando férias em Bahamas porque empreenderam em algo que dá retorno. E aprenderam a amar aquilo. Retorno provoca amor, talvez.”

“Deixe o que você realmente ama guardado de uma outra forma que não seja trabalho e você o terá para sempre.”

“É fácil estar super feliz amando o trabalho quando se tem cama limpa e comida na mesa.”

“Talvez exista uma noção de amor romantizado com relação a trabalho.”

“Desafiador.”

“Sinceramente, só se der dinheiro porque hoje os melhores profissionais que trabalham por amor não são valorizados.”

“Enquanto eu precisar trabalhar simplesmente pra sobreviver e pagar as contas, não amarei o que faço, independente do que seja.”

“Acho que é o jeito mais rápido de transformar algo prazeroso numa merda foda.”

“Prefiro estar trabalhando do que fazendo qualquer outra coisa. Sem dúvidas. Meu trabalho me completa como ser humano.”

A única opção que deveria existir. E sobre "fazer o que ama não dá dinheiro", para mim é só uma crença limitante, existem "cachorro-quenteiros" riquíssimos, existem bordadeiras ricas, médicos ricos, artistas ricos, pilotos ricos, é só colocar o foco do seu trabalho em também gerar lucro. É investir o empreendedorismo no seu amor e ganhar com isso.”

“Acho mais uma ideologia criada pra fazer a gente se acomodar com o sistema. A gente trabalha muito, ganha mal, se obriga a aceitar as burocracias e injustiças do capitalismo, sobrevive pra pagar as contas. Mas tudo bem, porque ‘trabalho com o que amo’.”

“Trabalhar no que se ama é trabalhar com carinho. Quando você ama o que você faz, trabalha feliz. Trabalhando feliz você produz mais, produzindo mais o ganho é maior.”

“Em algumas áreas, mesmo quando você ama, é difícil ganhar dinheiro. Mas, como regra geral, você costuma se dedicar mais e fazer melhor e melhorar com o tempo em coisas que você faz por prazer. E isso é a receita para o sucesso. É muito difícil ser bem sucedido/se destacar fazendo algo forçado ou por obrigação protocolar.”

Não acho que a felicidade está em se trabalhar no que se ama. Acho sim, que quando escolhemos com o que vamos trabalhar, a gente precisa escolher algo que goste (e gostar não é amar). Primeiro, trabalhamos porque precisamos de dinheiro. Apesar de gostar muito do que faço, eu não amo. Tudo aquilo que é feito com amor, é puro e, principalmente, não tem preço.”

“Eu penso que [escolhendo trabalhar no que eu amo] tomei a melhor decisão da minha vida!”

“O trabalho que eu amo me faz acordar todo dia 5h30 da manhã, coisa que eu odeio!  Muitas coisas das quais eu me deparo todos os dias eu tenho um ranço danado. Mas fazer o que se gosta torna aquilo menos doloroso ao longo do dia!”

"Simplesmente essencial. E um dilema. Há três explicações diferentes pra eu ter escolhido uma profissão que não amo:
- mudei meu gosto;
- não tive a experiência necessária para saber o que realmente amava;
- deixei o que eu mais amava para hobbie seguindo os conselhos da minha família em fazer o que é mais lucrativo/valorizado e que ao mesmo tempo com o que eu tenha facilidade em fazer.
Hoje, divido meu tempo no meio exatamente entre minha profissão (meu sustento) e minha paixão. Sou muito mais feliz fazendo o que amo, mesmo isso não dando lucro nenhum.”


"Meu maior sonho, mas ele parece cada vez mais distante."

“Não há amor que resista a uma conta bancária no vermelho no fim do mês.”

Precisa mesmo trabalhar no que se ama?

Há alguns anos vem rolando um movimento bem forte no que diz respeito a trabalhar no que se ama. Se amar o trabalho parece uma fórmula perfeita, por que há ainda tanta angústia?

A diferença entre a nossa geração e a geração dos nossos pais, por exemplo, é que os nascidos no final dos anos 80, começo dos 90, foram bombardeados com ideias do tipo: você precisa trabalhar no que ama, trabalhe no que ama e não trabalhará um dia sequer, faça seu trabalho com paixão.
A coisa toda é bonita na teoria, mas, na prática, fez com que a nossa geração fosse a mais mimadinha das últimas décadas. Somos a geração dos frustrados e dos incompreendidos.


Uma amiga disse esses dias no facebook: “Acho que o momento-chave que marcou a nossa geração como "mimada" e "em busca da felicidade" foi ali quando gravaram 4 finais pra Efeito Borboleta”.

Uma conversa com outra amiga, que se mudou recentemente para São Paulo, foi mais ou menos assim:

“- Fico pensando até quando vale à pena se ferrar para fazer o que gosta.
- Eu fico achando que meio que não vale, não. O negócio é ter dinheiro. Daí você viaja, compra roupa e tem uma casa legal. Ter roupas e viajar deixa a gente feliz... pronto. Porque, meu, eu gosto do que eu faço, mas nessa área [letras] o salário é ridículo. De que adianta? Você se mata, paga as contas e o dinheiro acabou. Eu não sei o que vai ser da gente. Eu meio que já desencanei de tudo." 

“Minha vida tá uma merda, o que eu faço?”, eu penso às vezes.


O problema é que, de uma forma ou de outra, a vida de todo mundo também está - exceto se você já tem dinheiro o suficiente para não se preocupar com coisas do tipo. É o karma da nossa geração. ‘Tá todo mundo mal”, já afirmou a maravilhosa Jout Jout. E ela ainda reforça: “Esse desconforto independe de formação acadêmica. [...] Não é porque eu fiz comunicação, não. Galera de engenharia também tá mal”.
Falaram pra gente, desde sempre, que éramos especiais, que deveríamos sonhar alto e acreditar nesses sonhos, que poderíamos trabalhar por amor, por paixão, no que a gente realmente gosta - como se o mundo não fosse feito basicamente de um monte de gente fazendo coisas das quais não se pode efetivamente gostar. Não que não se pode, mas isso apenas não é uma questão. É só trabalho. Mas a nossa geração tem questões. O tempo todo. É como se a gente se sentisse no centro do mundo - e talvez a gente ache isso mesmo! E isso é tão elitista e prepotente que eu não sei nem por onde começar. Exaltar o trabalho com amor como a única forma de ser realmente feliz é ignorar a impossibilidade de escolha da maioria do universo, é se sentir a última bolacha do pacote.


Você acha que alguém perguntou para os seus pais se eles se sentiam realizados com o próprio emprego? Se estavam fazendo aquilo por amor, porque isso era o mais importante? Acho difícil. Isso é uma coisa relativamente nova que um pouquinho de história do trabalho explica.
Se por um lado ninguém pergunta para o  lixeiro ou para o encanador se eles fazem aquilo que amam, de outro ângulo observei nos últimos anos um movimento que pode ser resumido a: “eu sou uma empresa muito legal e muito maravilhosa, então vou te pagar muito pouco, mas você vai aceitar trabalhar aqui porque é incrível”. Ou: "te dou rede pra descansar, mas 13º jamais".
E daí penso: do que adianta, deus, trabalhar num lugar bacana e não ter dinheiro sobrando nem pra ir ao cinema? Adianta muito se seus pais te bancam, o que não é a realidade da maioria. A real mesmo é que o jogo de expectativa x realidade tende a ser frustrante e em algum momento as razões simplesmente se esgotam. 



Mas eis que chega a roda-viva e carrega a roseira pra lá

Chico Buarque, esse gênio, já avisou: “A gente vai contra a corrente até não poder resistir... Faz tempo que a gente cultiva a mais linda roseira que há, mas eis que chega a roda-viva e carrega a roseira pra lá”.

Tinha uma editora x em que eu queria muito trabalhar, então fui conversar com uma amiga que tem amigos que trabalham lá. A resposta? “Sai dessa. Tipo trabalho escravo: você morre de trabalhar e pagam super mal”.


O que eu quero dizer é que fazer o que se ama pode ser muito legal para alguns, mas é de uma liberdade aprisionadora para outros. Primeiro porque nem sempre dá pra escolher, segundo porque fazer o que se ama nem sempre paga as contas, terceiro porque paixões podem ser passageiras - não por acaso as pessoas da geração Y são as que mais pulam de um emprego para outro.


Trabalho é trabalho, não precisa ser sua vida toda. Você pode, sei lá, amar cinema e ser bancária, ou ser escritor mas trabalhar como advogado. É enclausurante direcionar todas as suas aspirações pessoais à sua vida profissional. Se dá certo pra você, ótimo. Enquanto isso, o resto do mundo faz o quê? Chora em posição fetal assistindo netflix? Não precisa ser assim, precisa?



Os 20 e tantos anos são uma zona obscura, cheia de incertezas. No texto “A armadilha do faça o que você ama” há o seguinte trecho: “Eu não acho que não podemos amar o que fazemos. Mas também não entendo porque isso deve ser imperativo. Percebe como a ideia de amar o que se faz está sempre vinculada a uma ideia de ser feliz trabalhando? Por isso que toco sempre na palavra felicidade e na exigência de ser feliz que nos cobram o tempo todo. A Maria Rita Kehl tem se preocupado bastante com essa temática. E eu trago ela pra cá: a gente precisa ser feliz o tempo todo com o trabalho que a gente faz?”.

Felicidade imperativa

"Seja feliz, trabalhe no que você ama!" ou "O trabalho dignifica o homem". A ideia pode ser bonita, mas é também muito perigosa - não por acaso foi usada pelos nazistas, inclusive sendo estampada nas entradas de campos de concentração. Voltado para os dias de hoje, é um discurso forte que pega a gente para o bem e para o mal. Depende de n fatores, inclusive sorte. Para mim, tem soado cada vez mais como uma utopia, um simulacro. Como Alice diz em Closer, "It’s a lie. And everyone loves a big fat lie".


Uma amiga jornalista com quem eu conversei sobre o assunto disse que, pra ela, trabalhar com o que se ama está ligado a encontrar sentido no que se faz. E eu digo: o sentido é relativo, né? Pode ser reconhecimento pra você, dinheiro pra mim, mudar o mundo pra aquela amiga, comida na mesa pra outra pessoa, poder viajar para fora do Brasil uma vez ao ano pra você ou só conseguir ter uma hortinha orgânica e uma casa com quintal pra aquele outro. A conclusão disso: eu tenho pensado que as pessoas, cada uma ao seu modo, só tem que fazer aquilo que acham que tem que fazer.


Claro que acho que pode ser maravilhoso trabalhar com o que se gosta, assim como acho que seria maravilhoso só viver de batata frita e sorvete de pistache (na verdade talvez fosse um pouco enjoativo...). Seria incrível se todo mundo pudesse fazer isso, mas as coisas simplesmente não funcionam assim.
E daí penso que entre trabalhar numa coisa que eu realmente gosto e que não me dá retorno e trabalhar numa coisa suportável que me dá algo, talvez eu opte pela segunda opção. Afinal, em que momento o trabalho deixou de ser um meio para começar a ser um fim? Mas, por outro lado, e usando um exemplo muito prático, sinto um prazer enorme em ser jornalista, em ouvir pessoas, escutar histórias, encarar o papel em branco. Isso faz com que eu me sinta bem, mas não paga minhas contas. Quando termina a persistência e começa a burrice? Difícil responder. É tipo o último filme do Zach Braff, Wish I was here, em que o personagem que ele faz quer ser ator, dá sempre tudo errado e ele é pressionado pela mulher a tomar uma decisão de ~adulto~. Então ele diz algo como: “Sinto que ainda não é hora de desistir. Ainda quero tentar”.
Eu também quero tentar e acho que você, que me lê, também deve querer, mas acho também que trabalho não é toda a nossa vida e que problematizar todas essas questões acaba deixando tudo mais leve, mesmo pra gente.


Como eu disse antes, se dá certo pra você, ótimo! Considere-se uma pessoa sortuda. Mas para o time dos angustiados com a passagem do tempo e o open de frustração, eu digo: Precisa mesmo trabalhar no que ama? Se a resposta for sim, vá em frente. Se a resposta for não, tá tudo bem também. O mundo todo continuará existindo. Ainda teremos livros, filmes, poesias, comidas gostosas e vídeo games. Você ainda poderá fazer as coisas das quais mais gosta - e talvez até tenha mais dinheiro pra usufruir delas, afinal. 
Independente das escolhas ou das imposições, nós ainda teremos nós mesmos. Pode não parecer, mas a gente não se resume ao que trabalha. Isso só é parte do que somos, não nosso universo inteiro. 



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