Precisa mesmo trabalhar no que se ama?

Há alguns anos vem rolando um movimento bem forte no que diz respeito a trabalhar no que se ama. Se amar o trabalho parece uma fórmula perfeita, por que há ainda tanta angústia?

A diferença entre a nossa geração e a geração dos nossos pais, por exemplo, é que os nascidos no final dos anos 80, começo dos 90, foram bombardeados com ideias do tipo: você precisa trabalhar no que ama, trabalhe no que ama e não trabalhará um dia sequer, faça seu trabalho com paixão.
A coisa toda é bonita na teoria, mas, na prática, fez com que a nossa geração fosse a mais mimadinha das últimas décadas. Somos a geração dos frustrados e dos incompreendidos.


Uma amiga disse esses dias no facebook: “Acho que o momento-chave que marcou a nossa geração como "mimada" e "em busca da felicidade" foi ali quando gravaram 4 finais pra Efeito Borboleta”.

Uma conversa com outra amiga, que se mudou recentemente para São Paulo, foi mais ou menos assim:

“- Fico pensando até quando vale à pena se ferrar para fazer o que gosta.
- Eu fico achando que meio que não vale, não. O negócio é ter dinheiro. Daí você viaja, compra roupa e tem uma casa legal. Ter roupas e viajar deixa a gente feliz... pronto. Porque, meu, eu gosto do que eu faço, mas nessa área [letras] o salário é ridículo. De que adianta? Você se mata, paga as contas e o dinheiro acabou. Eu não sei o que vai ser da gente. Eu meio que já desencanei de tudo." 

“Minha vida tá uma merda, o que eu faço?”, eu penso às vezes.


O problema é que, de uma forma ou de outra, a vida de todo mundo também está - exceto se você já tem dinheiro o suficiente para não se preocupar com coisas do tipo. É o karma da nossa geração. ‘Tá todo mundo mal”, já afirmou a maravilhosa Jout Jout. E ela ainda reforça: “Esse desconforto independe de formação acadêmica. [...] Não é porque eu fiz comunicação, não. Galera de engenharia também tá mal”.
Falaram pra gente, desde sempre, que éramos especiais, que deveríamos sonhar alto e acreditar nesses sonhos, que poderíamos trabalhar por amor, por paixão, no que a gente realmente gosta - como se o mundo não fosse feito basicamente de um monte de gente fazendo coisas das quais não se pode efetivamente gostar. Não que não se pode, mas isso apenas não é uma questão. É só trabalho. Mas a nossa geração tem questões. O tempo todo. É como se a gente se sentisse no centro do mundo - e talvez a gente ache isso mesmo! E isso é tão elitista e prepotente que eu não sei nem por onde começar. Exaltar o trabalho com amor como a única forma de ser realmente feliz é ignorar a impossibilidade de escolha da maioria do universo, é se sentir a última bolacha do pacote.


Você acha que alguém perguntou para os seus pais se eles se sentiam realizados com o próprio emprego? Se estavam fazendo aquilo por amor, porque isso era o mais importante? Acho difícil. Isso é uma coisa relativamente nova que um pouquinho de história do trabalho explica.
Se por um lado ninguém pergunta para o  lixeiro ou para o encanador se eles fazem aquilo que amam, de outro ângulo observei nos últimos anos um movimento que pode ser resumido a: “eu sou uma empresa muito legal e muito maravilhosa, então vou te pagar muito pouco, mas você vai aceitar trabalhar aqui porque é incrível”. Ou: "te dou rede pra descansar, mas 13º jamais".
E daí penso: do que adianta, deus, trabalhar num lugar bacana e não ter dinheiro sobrando nem pra ir ao cinema? Adianta muito se seus pais te bancam, o que não é a realidade da maioria. A real mesmo é que o jogo de expectativa x realidade tende a ser frustrante e em algum momento as razões simplesmente se esgotam. 



Mas eis que chega a roda-viva e carrega a roseira pra lá

Chico Buarque, esse gênio, já avisou: “A gente vai contra a corrente até não poder resistir... Faz tempo que a gente cultiva a mais linda roseira que há, mas eis que chega a roda-viva e carrega a roseira pra lá”.

Tinha uma editora x em que eu queria muito trabalhar, então fui conversar com uma amiga que tem amigos que trabalham lá. A resposta? “Sai dessa. Tipo trabalho escravo: você morre de trabalhar e pagam super mal”.


O que eu quero dizer é que fazer o que se ama pode ser muito legal para alguns, mas é de uma liberdade aprisionadora para outros. Primeiro porque nem sempre dá pra escolher, segundo porque fazer o que se ama nem sempre paga as contas, terceiro porque paixões podem ser passageiras - não por acaso as pessoas da geração Y são as que mais pulam de um emprego para outro.


Trabalho é trabalho, não precisa ser sua vida toda. Você pode, sei lá, amar cinema e ser bancária, ou ser escritor mas trabalhar como advogado. É enclausurante direcionar todas as suas aspirações pessoais à sua vida profissional. Se dá certo pra você, ótimo. Enquanto isso, o resto do mundo faz o quê? Chora em posição fetal assistindo netflix? Não precisa ser assim, precisa?



Os 20 e tantos anos são uma zona obscura, cheia de incertezas. No texto “A armadilha do faça o que você ama” há o seguinte trecho: “Eu não acho que não podemos amar o que fazemos. Mas também não entendo porque isso deve ser imperativo. Percebe como a ideia de amar o que se faz está sempre vinculada a uma ideia de ser feliz trabalhando? Por isso que toco sempre na palavra felicidade e na exigência de ser feliz que nos cobram o tempo todo. A Maria Rita Kehl tem se preocupado bastante com essa temática. E eu trago ela pra cá: a gente precisa ser feliz o tempo todo com o trabalho que a gente faz?”.

Felicidade imperativa

"Seja feliz, trabalhe no que você ama!" ou "O trabalho dignifica o homem". A ideia pode ser bonita, mas é também muito perigosa - não por acaso foi usada pelos nazistas, inclusive sendo estampada nas entradas de campos de concentração. Voltado para os dias de hoje, é um discurso forte que pega a gente para o bem e para o mal. Depende de n fatores, inclusive sorte. Para mim, tem soado cada vez mais como uma utopia, um simulacro. Como Alice diz em Closer, "It’s a lie. And everyone loves a big fat lie".


Uma amiga jornalista com quem eu conversei sobre o assunto disse que, pra ela, trabalhar com o que se ama está ligado a encontrar sentido no que se faz. E eu digo: o sentido é relativo, né? Pode ser reconhecimento pra você, dinheiro pra mim, mudar o mundo pra aquela amiga, comida na mesa pra outra pessoa, poder viajar para fora do Brasil uma vez ao ano pra você ou só conseguir ter uma hortinha orgânica e uma casa com quintal pra aquele outro. A conclusão disso: eu tenho pensado que as pessoas, cada uma ao seu modo, só tem que fazer aquilo que acham que tem que fazer.


Claro que acho que pode ser maravilhoso trabalhar com o que se gosta, assim como acho que seria maravilhoso só viver de batata frita e sorvete de pistache (na verdade talvez fosse um pouco enjoativo...). Seria incrível se todo mundo pudesse fazer isso, mas as coisas simplesmente não funcionam assim.
E daí penso que entre trabalhar numa coisa que eu realmente gosto e que não me dá retorno e trabalhar numa coisa suportável que me dá algo, talvez eu opte pela segunda opção. Afinal, em que momento o trabalho deixou de ser um meio para começar a ser um fim? Mas, por outro lado, e usando um exemplo muito prático, sinto um prazer enorme em ser jornalista, em ouvir pessoas, escutar histórias, encarar o papel em branco. Isso faz com que eu me sinta bem, mas não paga minhas contas. Quando termina a persistência e começa a burrice? Difícil responder. É tipo o último filme do Zach Braff, Wish I was here, em que o personagem que ele faz quer ser ator, dá sempre tudo errado e ele é pressionado pela mulher a tomar uma decisão de ~adulto~. Então ele diz algo como: “Sinto que ainda não é hora de desistir. Ainda quero tentar”.
Eu também quero tentar e acho que você, que me lê, também deve querer, mas acho também que trabalho não é toda a nossa vida e que problematizar todas essas questões acaba deixando tudo mais leve, mesmo pra gente.


Como eu disse antes, se dá certo pra você, ótimo! Considere-se uma pessoa sortuda. Mas para o time dos angustiados com a passagem do tempo e o open de frustração, eu digo: Precisa mesmo trabalhar no que ama? Se a resposta for sim, vá em frente. Se a resposta for não, tá tudo bem também. O mundo todo continuará existindo. Ainda teremos livros, filmes, poesias, comidas gostosas e vídeo games. Você ainda poderá fazer as coisas das quais mais gosta - e talvez até tenha mais dinheiro pra usufruir delas, afinal. 
Independente das escolhas ou das imposições, nós ainda teremos nós mesmos. Pode não parecer, mas a gente não se resume ao que trabalha. Isso só é parte do que somos, não nosso universo inteiro. 



7 comentários

  1. Adorei o texto, só tiraria essa partezinha BEM classe média sofre

    "Eu meio que já desencanei de tudo. Eu achava que um dia eu ia ter uma casa maravilhosa e filhos e ia passar o fim de semana na praia.
    - Mas você tem até um apartamento!
    - Grande coisa, hoje quase todo mundo pode ter um apartamento. É só ir na caixa e falar: Oi, tenho 10 reais e queria um apartamento minúsculo, tudo bem se não tiver acabamento. Mas sério, nada mais triste do que comprar um apartamento e ver que as escadas do prédio são de chão batido. True Story.”

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    1. Ei, obrigada pelo comentário :)
      E concordo com você: é muito "classe média sofre" mesmo! Acho que a própria discussão de trabalhar no que ama já se enquadra um pouco nisso também...
      Tentei fugir ao máximo disso, então ouvi sua sugestão e tirei esse trecho. Valeu :)

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  2. It hurts!baby,it hurts...doi viver;doi escolher;doi pensar;doi sentir;doi descobrir ou que se pensa ser a realidade,so para mais adiante,descobrir que...nem era!a fome de algo que enm se sabe o que seja,costuma machucar...
    Fica a ideia do respire,nao pire...(yoguinhas basiquinhas,meditacao ajudam a perspectiva maior...)e,...musica,poesia,sao a religiosidade mor...fotografia tbm...e,ir catando aqui e ali,pedacinhos da compaixao ao outro...

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    1. fiquei na dúvida se isso tava em português

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  3. Layse, seu blog tem salvado meus dias do tédio sempre, juro. É bom ler coisas com as quais a gente se identifica e que faz parte da nossa realidade, do rico dinheirinho suado, contas, vinte e tantos anos e tudo mais. Me identifico muito nessa geração mimada e já tentei encontrar o caminho da felicidade em todos os lugares. Felizmente a maturidade chega e nos mostra que felicidade é relativa e ninguém é feliz o tempo inteiro (e nem precisa).
    Amei o texto, amo o blog e super indico pra todos.
    Continue!

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    1. Nossa, muito feliz com esse comentário, sério! Tô há tempos pra te responder, mas toda vez que releio ganho meu dia, sabia? Muito obrigada mesmo!
      Realmente, se tem uma coisa que é importante nessa vida é perceber que a felicidade é relativa e que a gente não precisa ser feliz o tempo inteiro. É libertador, né?
      Valeu mesmo <3
      Coloca seu nome da próxima vez pra eu saber quenhé você hihi Queria!

      Beijos!

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