Breve reflexão sobre a crônica, o eu do cronista e o autor empírico

O texto do Gregorio Duvivier causou comoção nacional nesta semana. Eu o li, achei uma crônica bonitinha e segui a vida. Não entendi direito o porquê de todo o frisson, mas, lendo textos e comentários sobre, concluí: quando se trata da crônica, as pessoas não sabem diferenciar o eu do cronista do autor empírico
Explico: quando lemos um poema, não pensamos: nossa, olha essa poeta expondo seu boy; ou: nossa, olha esse poeta atravessando os limites do público e do privado. Isso tem uma explicação, claro. A poesia é "protegida" pelo eu lírico, essa espécie de persona poética, uma voz que permite dizer o que quer que seja dito. 
Do mesmo modo, no conto e no romance temos narradores - e por mais que sejam em primeira pessoa ou com toques claramente autobiográficos, é certo que há uma distinção entre narrador e autor. 
Na crônica, em específico, isso se confunde um pouco. E, claro, tem ligação com as características próprias do gênero: despretensiosidade, cotidiano, simplicidade, tom íntimo, proximidade com o leitor, enfim, a vida ao rés do chão. Apesar de suas muitas possibilidades, a crônica a como estamos acostumados hoje acaba remetendo a certa proximidade com a vida daquele ou daquela que a escreve. 
Não há como não se sentir próximo de Tati Bernardi, Antônio Prata, Milly Lacombe e do próprio Gregorio Duvivier - para citar alguns cronistas atuais. E era assim antes também, com Rubem Braga, Vinicius de Moraes, Fernando Sabino, Mário Prata, Clarice Lispector, Drummond...  A proximidade é real. Isso é indiscutível. Até pelo próprio suporte da crônica, que está lá, em sua essência, nas páginas do jornal, no folhear rápido e no encontrar de repente com uma voz parcial, que te diz mais coisas além de o que, quando e como. Cruzar os olhos com uma crônica entre as páginas do jornal nos faz quase que dizer: muito obrigada. É a eternidade na impermanência
Isso não quer dizer, no entanto, que um cronista tem compromisso com a verdade ou que está simplesmente passando no papel a sua própria vida, sem filtro, sem intenção literária. Ou melhor: isso não quer dizer que um cronista não ficcionalize as coisas e também a própria vida. A crônica é um gênero literário e é tão enganador quanto qualquer outro - talvez até mais, por exatamente simular o não engano. A crônica não é autobiografia.
Exatamente por isso, eu gosto da ideia, cunhada por Luiz Carlos Simon, de chamar essa voz da crônica, que às vezes tanto se aproxima do autor empírico, o autor de verdade, o nominho na frente da capa, de eu do cronista. Isso ajuda a separar as coisas e fazer com que a gente pare de soar como xerife de gêneros literários e colocar na fogueira escritores e escritoras que só estavam fazendo, adivinhe só, literatura. 

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