Orfeu menos Eurídice (coisa incompreensível)


Sabe, a vida sem você é uma bagunça bonita. Tudo é uma outra versão da mesma coisa.
Eu não sei se você acordou às duas da tarde ou se resolveu levantar às sete, em um daqueles dias que você cisma que quer ser saudável, para de fumar e sai pra caminhar no parque.

Eu não sei quase mais nada de você. E acho que tudo bem.

Esses dias você me disse que é tudo muito triste, porque de fato a gente vai se acabando mesmo, até o ponto em que vai se esquecendo, se esquecendo e de repente tudo se resume a uma foto guardada no fundo da gaveta do criado-mudo que causa surpresa quando encontrada.  Quanto tempo passou, né?, nós vamos pensar.

É estranho sentir outras bocas, outros cheiros.

Mas é um estranho bom. Porque terminamos por aqui mas ainda existimos. Eu e você.
Não há mais nós no presente. Somos o que fomos - e isso não muda nunca.

Mas é bom deixar as coisas pra trás. Saber a hora de deixar ir.

Acho que isso, na verdade, é a equação mais difícil de um relacionamento. Cada parte da gente quer ficar, mas a gente sabe, sente ali no fundo, que é hora de ir. Que precisa. Tipo um abre alas para o coração: deixar os olhos verem outra coisa.

E eles veem. E como veem. E outras coisas surgem e outras pessoas surgem. Pessoas que você nunca tinha desconfiado da existência, mas que andam por aí e dançam e bebem e beijam.

Mas isso não apaga, não. Nada apaga a gente.  Eu sinto que vou ser meio que sempre um porta estandarte de tudo o que a gente viveu. Tá na minha pele. No mapa que você traçava com a ponta dos dedos com as pistas deixadas pelas pintas das minhas costas.

Seu gosto continua aqui.

Mas sigo. Preciso. Você também.

Quanta coisa que nem cabe. Que sorte a nossa.

Vai tua vida. Orfeu menos Eurídice (coisa incompreensível).

Um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...