O amor acostuma

Eu sempre quis sufocar de tanto amor, e na realidade já me sufoquei muitas vezes no começo das relações – quando a mão sua, os olhos mexem de um jeito estranho, as palavras tropeçam nas ações e a coisa toda é tão incerta que a única certeza que existe é a do momento atrapalhado que se vive. Esse momento é o mais puro que a paixão nos deixa. Paixão é lembrança.
Tenho pra mim que a paixão é travessia pra uma coisa nova que está pra chegar, um amor calmo, um amor que eu sempre quis sentir: um amor de não-doer.
Eu, que definitivamente ainda não aprendi a viver a felicidade de um jeito certo, só sinto o meu sangue errar de veia e o corpo tremer todo quando uma outra possibilidade de realidade me aparece: a perda. Saber que eu posso perder alguém  - e isso engloba todos os tipos de relações afetivas – faz com que eu jogue pro alto, sem nem pensar duas vezes, o meu orgulho e esses tipos de caprichos bobos que as mulheres adoram cultivar.  É a ideia da perda que me move a acordar no meio da noite e beijar a nuca de quem comigo divide a cama, sussurrando logo em seguida um eu-te-amo que provavelmente não será ouvido. Nós nos culpamos por não saber usar o amor em todo o segundo.
A questão é  simples: a rotina sufoca a realidade da perda. No alto da nossa prepotência humana de acharmos que somos imortais e que todas as pessoas que estão a nossa volta também vão durar pra sempre, o dia a dia apaga lentamente com seus defeitos e irritâncias a possibilidade da ausência. É como naquela curta de Paris Je t’aime, em que o marido vai terminar com a esposa e quando encontra com ela pra falar sobre isso, ela conta a ele que está com um câncer terminal. Durante a conversa ele relembra toda a história dos dois, cada momento, cada alegria triste, cada doce-amargo de casal, tudo-tudo, e acaba se apaixonando por ela novamente. Apaixona-se por meio da ausência! E, de alguma forma, isso é incompreensível pra mim. Mas agora, enquanto te sei indo pra longe daqui, nunca estive tão consciente do nosso amor.

6 comentários

  1. Os amores mais profundos, profusos e confusos são os ausentes, os que permanecem na resplandecência da hipótese, que não se efetivam pela modorra do dia-a-dia, amores cujas perfeições se acentuam com frequência simplesmente porque não há tempo nem ocasião para os defeitos, para os erros, para as realidades da convivência.
    O amor inatingível é o que se satisfaz na lembrança do que não foi e poderia ter sido; o amor do dia-a-dia é persistência e não por isso continua sendo amor.

    Seu texto é lindo; fez-me pensar acerca de coisas.

    Bj.

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  2. realmente é muito bom saber sentir cada detalhe individualmente.

    (enquanto eu lia sua postagem, minha vizinha - juro que era ela - ouvia Imortal, versão Laura Pausine. )

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  3. Pois é, meu cãozinho... E sabe o pior? Foi meu vizinho. Já quis muito mata-lo. Hoje, não quero nada, além de cuidar -e muito bem, da minha cadelinha Pitty. ^^'

    Mas, o amor acostuma...

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  4. me identifico tanto com seus textos, gostaria de saber me expressar tão bem quanto você, a maior parte dos seus textos representa algo que sinto ou já senti, mas que jamais conseguiria transformar em palavras como você.
    parabéns!

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  5. Anônimo, tudo o que almejo na minha vida é isso que você acabou de dizer: que os outros possam se enxergar melhor pelas minhas palavras. fiquei muito feliz em saber que consegui transformar o meu "eu" em uma coisa mais universal que pode ser sentido em pessoas como você. obrigada, de verdade. beijo, beijo.

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  6. "Mas agora, enquanto te sei indo pra longe daqui, nunca estive tão consciente do nosso amor." Perfeito, resume tudo de um modo tão completo... Adoro teus textos Layse, parabéns! um beijão.

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