Pó de parede

Angústia é fala entupida
Ana me disse
enquanto eu abria o livro rosa
como quem brinca de minutos de sabedoria

Hoje choveu a noite toda
e o sol está em aquário
o que eu não sei exatamente o que significa
porque me escondo atrás de mapas e graus e casas

Hoje choveu a noite toda
repito como quem faz um poema
e ontem eu arranquei todo o papel de parede
do meu quarto de menina

E respirei pó de parede a noite inteira
como que pra recuperar
alguma palavra perdida
entre a massa
e as marcas dos pregos que já foram

Acordei doente
a cabeça pesada
a garganta seca
como quem bem inspirou
e expirou
e inspirou
e expirou
durante pouco menos de oito horas
o pó dos dias

Aquela parede já viu tanta coisa
e teve seu fim na sacola plástica
do super mercado

A vida é uma bagunça
me disseram

Uma bagunça de pus nas amídalas
de nó nos encontros
de mãos bonitas que se apertam
e se soltam
e se perdem

E de outras mãos que chegam
e se prendem
e se arranham
e se perdem de novo

Todas, tudo
o tempo todo
indo embora

A vida é uma bagunça
eu anotei no canto do caderno
mas é disso que somos feitos.


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