Só pela história

Só pela história

Eu era capaz de muitas coisas
de atravessar a cidade
de mergulhar em piscinas sujas
de escolher trilhas estranhas
de ir pelo caminho mais longo
de varar a noite em espuma
só pra poder sentir

Eu era capaz de muitas coisas
pelo buraco no estômago
pelo coração descontrolado

Forço
cutuco
simulo
cavo

Trombo com um sorriso
e ligo o rádio
coloco um samba triste
declamo poesias eróticas
no meio da sala

Tiro fotos sem roupa
pensando em você
enquanto desenho na minha pele
um rosto que não existe
porque eu o inventei

A boca vermelha
um quente no meio das pernas
e de repente eu sinto vindo
de novo

A sensação
experimentada pela primeira vez aos cinco anos de idade
quando me apaixonei pelo menino da casa da árvore
e não deu certo

(Ele foi pra Tailândia
e tudo o que guardo é a foto de um elefante)

Então escrevo
pra que todos os países distantes que me espreitam façam sentido
Enquanto repito que é mesmo melhor amar, sofrer, chorar

E obedeço
honro o sobrenome
desgrudo a unha da carne de propósito
me derramo em lençóis de cama
faço carinho em estranhos

E amo em mim outros corpos
só pra escrever cartas de amor pra ninguém.

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