Livros & filmes de 2012

Nada me deixa mais irritada do que final de ano. Odeio natal e só fico realmente feliz no dia 2 de janeiro, quando essa coisa-toda já passou. Fazer listas é uma forma totalmente despretensiosa de fazer qualquer coisa que não envolva presentes, bolas vermelhas e músicas natalinas. Ou não é nada disso e eu só gosto de listas mesmo.


Top 1 - Extremamente alto, incrivelmente perto [Jonathan Safran Foer]: Um dos primeiros que li em 2012. Não esperava absolutamente nada dele - talvez isso tenha colaborado um pouco para a escolha de uma das melhores leituras de 2012. Fiquei extremamente apaixonada pelo Oskar, pela construção narrativa, pela avó, pelas cartas perdidas no meio, pelas fotografias, por tudo-tudo. Meu amigo Paulo escreveu sobre ele no nosso desacordado Leitoraria, blog de "crítica" literária sem mimimi. 

Top 1 de novo (não consigo escolher só um) - O filho de mil homens [Valter Hugo Mãe]: Vou me limitar a dizer que foi um dos melhores e mais lindos romances que eu já li em toda a minha vida. Escrevi sobre ele assim que terminei de ler aqui. Tem um dos trechos mais lindos que eu já vi e é todo assim, cheio de uma poesia que não cansa: "nunca limites o amor, filho, nunca por preconceito algum limites o amor. O miúdo perguntou: porque dizes isso, pai. O pescador respondeu: porque é o único modo de também tu, um dia, te sentires o dobro do que és." (P. 128)




Top 1 Literatura Brasileira - Diário da queda [Michel Laub]: Depois de lê-lo, senti que não ia digeri-lo tão cedo. Sinto que até agora não consegui. Fiquei com um gosto amargo na boca, apesar de esboçar alguns sorrisos em determinadas partes. O romance, lançado em 2011, trata de assuntos muito explorados pela literatura: relações familiares, remorso, processo de amadurecimento, busca por respostas que insistem em não aparecer, mas não fica no mais-do-mesmo. Entre todas as coisas possíveis, o que mais que encantou foi o fato da estrutura e do estilo escolhidos pelo autor estarem em absoluta sintonia com a história contada. Dessa forma, esse diário, com amontoados de memórias mais ou menos claras que insistem em voltar sempre, é fragmentado não só em conteúdo mas também em estrutura - os capítulos não tem um texto corrido, mas sim pequenos blocos de palavras que vão e voltam no tempo e no espaço - o que torna a leitura fluida e ansiosa. Um daqueles livros que te derrubam (gosto especialmente desses). 

Maior decepção literária - Bonsai [Alejandro Zambra]: Todo mundo (ou pelo menos muita gente) falou bem de Bonsai. E não só bem, mas muito bem - tipo "obra densa, breve, genial" ou "melhor livro do ano" e coisa e tal. Não achei nem muito densa, muito menos genial. Pra mim, ficou como sendo só uma obra breve. Mas talvez seja porque eu esperei demais. Expectativa é uma merda. 

Gostei, mas nem tanto - A visita cruel do tempo [Jennifer Egan] : Vou ficar no lugar comum. A técnica narrativa da autora é algo invejável, de ficar bem chocada com a forma como ela consegue mudar tanto de estilo com o andar da história. Tirando isso, o romance aconteceu pra mim até a metade, depois perdi o ritmo, senti falta dos personagens do começo e quis ler logo pra fechar o livro definitivamente - ao contrário daqueles livros bons que você fica tensa porque não sabe se quer ler rápido de tanto amor ou demorar uma eternidade pra durar pra sempre.

Menção honrosa - Daytripper: Meu amigo Arthur me emprestou e, assim, tô arrasada até agora. Como disse no texto que escrevi pro Leitoraria sobre ele, essa história em quadrinhos mexeu comigo mais do que muito romance. E com certeza não é só "uma história em quadrinhos", mas uma narrativa densa, bem escrita e bem pensada (parece que eles demoraram mais de 10 anos para deixar tudo do jeito que queriam). Dá vontade de ler de novo toda hora.


Daytripper
Melhor filme - Laurence Anyways: Tá muito difícil viver depois de Laurence. Sério. Já gosto de Xavier Dolan desde sempre, mas com Laurence ele deu um salto absurdo e fez um filme de quase 3 horas de duração que acaba e você já tem vontade de começar a assistir de novo - pelo menos pra mim, vi várias críticas falando que o filme é longo e cansativo. Texto extremamente bem escrito, cenas esteticamente maravilhosas, personagens incríveis sendo interpretados por atores mais incríveis ainda... Não sei nem o que dizer. Tive vontade de chorar em várias partes e quando os créditos subiram eu não aguentei e chorei  e sofri e. Sabe aquele filme que deixa grudado na gente algumas cenas em específico e elas voltam toda hora? Então... posso citar umas três. Xavier Dolan soube tratar de questões de gênero, assunto cercado de tabus, de uma forma bonita e intensa. Atenção pra cena em que Fred é questionada/censurada sobre a mudança de gênero de Laurence, seu namorado, e diz algo como: "nossa geração consegue aguentar isso" (amor pra sempre por essa frase).  Um filme que ficou muito em mim depois que acabou. Gostos à parte, tem gente por aí dizendo que Dolan não conseguiu segurar o melodrama de Laurence porque não é Almodóvar. Assim, sério? Vamos superar isso aê.

Laurence Anyways
Segundo melhor filme (quase empatado com o primeiro, mas de uma forma diferente) - A delicadeza do amor: Exatamente o tipo de filme que eu gosto. Triste, leve e bonito, com a delicadeza que só o cinema francês consegue ter. Um arrependimento: não ter lido o livro antes de assistir ao filme. Uma crítica: o filme deveria ter mantido o mesmo título original, A delicadeza, porque é muito isso o tempo todo. Muito amor, sério. E ah, a trilha sonora é maravilhosa, toda por Emilie Simon
A delicadeza do amor


Sem título

 "Onde vamos estar quando eu olhar para trás? Será que o agora vai parecer o início de uma vida incrível ou... ou o quê?" ( Jennifer Egan em A visita cruel do tempo, p. 172)

O avião pousou e o ar dessa cidade me atacou a asma, a dor de cabeça, a cólica menstrual, a vontade de não estar mais perto. Um gosto um pouco amargo de perceber que o aqui não faz mais sentido. O que faço do lago e das cabines de telefone vermelhas?
No voo, uma dessas conversas aleatórias que a gente tem em situações x acabou me fazendo pensar muita coisa, como o fato de não ter acontecido tanta coisa errada quanto eu sinto que aconteceu nesse ano. O problema está somente na minha dimensão dramática que sempre erra o tom. Atividades: errar o tom, chorar na hora imprópria, querer o que não posso ter agora, sofrer de felicidade clandestina - fato citado por um médico homeopata como diagnóstico: o seu problema é que você sofre de felicidade clandestina. Suspiro. O fato é que aconteceram duas ou três coisas erradas, sim, mas o cansaço desse momento talvez esteja me fazendo ver que meio que tá tudo bem em as coisas não saírem exatamente como eu espero que elas saiam.
O homem que eu não sei o nome e que sentou ao meu lado deve ter uns 40 anos, tinha um sorriso que me fez pensar que provavelmente ele seria alguém por quem eu me apaixonaria facilmente. Autor preferido: García Márquez. Livro preferido: Amor nos tempos do cólera. Bom.
Ele me perguntou sobre meus planos e eu contei o A, se as coisas derem certo, o B, se as coisas derem mais ou menos certo, o C, se as coisas forem decepcionantes e o D, se tudo der muito errado. Ele disse que achava que o A daria certo, que faz sentido ser o A e que tá tudo bem. Tá tudo bem. Tá tudo bem - eu repito pra acreditar.
Contei pra ele sobre o fato de eu ter uma esperança meio burra de que se as coisas não deram muito certo até agora é porque ainda tem algo muito bom pra chegar. Típico papinho de gente que quer ser positiva por ser extremamente negativa, entende?
Ele me olhou e disse que dava pra perceber que eu tenho sede de vida. E perguntou o que eu estava esperando com um tom de voz bonito, de quem tenta ajudar. Eu sorri porque sou altamente impressionável e gosto quando a realidade me presenteia com uma cena clichê que parece bobagem mas acaba sendo bonita dentro de mim.
E fico assim, no velho quarto, os livros postos na estante, separados por uma lógica que é só minha, os post-it's colados na TV antiga. Renovação biblioteca: 30/10 Mestrado! 15 a 31/10 Especialização 24/09 a 31/11.
Vida = romance ruim. Escrevi isso dia desses no caderninho que sempre carrego comigo.
Não sei se o cansaço me emburreceu ou resignou, mas, pela primeira vez nesse ano em que tudo  parece  dar tão errado, eu vou dormir com uma sensação de que sim, tá tudo bem e tá tudo bem e tá tudo bem. E, com os olhos quase fechando, tenho uma certeza talvez estúpida e inocente de que  a vida começou a ser legal comigo.



Suspiro pós-leitura - O filho de mil homens, de Valter Hugo Mãe


Porque o "Filho de mil homens" me travou de tal forma que eu tive a agoniante certeza de que não iria conseguir fazer nada da vida enquanto não lesse a última palavra da última linha da última folha. 
Porque confundi Crisóstomo com Camilo o romance todo e confundir os dois é a coisa que mais faz sentido nesse mundo. 
Porque sorri com a Nota do autor e o nó na garganta que ficou me pareceu com um amor muito grande por tudo:
"Este livro talvez tivesse ido parar ao lixo se não fosse o juízo da Clara Capitão, que me convenceu de que valia a pena, porque eu a cada cinquenta páginas de todos os livros quero ser outra pessoa qualquer e começar um outro livro qualquer que ainda não exista e sobre o qual não saiba quase nada.
Sei bem que sou filho de mim homens e mais mil mulheres. Queria muito ser pai de mil homens e mais mil mulheres."
Porque acho que ficarei com o cheiro do livro impregnado em mim e agora, enquanto o fecho e já penso em que lugar da estante vou colocá-lo, tenho vontade de queimar a agenda para lê-lo de novo e, assim que terminar, ler mais uma vez e mais uma vez e mais uma vez. 


"Todos nascemos filhos de mil pais e de mais mil mães, e a solidão é sobretudo a incapacidade de ver qualquer pessoa como nos pertencendo, para que nos pertença de verdade e se gere um cuidado mútuo. 
Como se os nossos mil pais e mais as nossas mil mães coincidissem em parte, como se fôssemos por aí irmãos uns dos outros. Somos o resultado de tanta gente, de tanta história, tão grandes sonhos que vão passando de pessoa a pessoa,que nunca estaremos sós." (p. 188)

Esboço para um retrato de não-amor

Parecia muito errado ir pra cama com alguém que eu nem conhecia. Eu, que sempre fora contra traições e abaixava os olhos em um gesto de desaprovação quando alguém me confessava algo do tipo, estava indo para cama com alguém que eu nem conhecia.
Quando eu tinha uns 15 anos, só conseguia escrever ouvindo Good Woman, da Cat Power. Aos 25, não sei se isso me parece bobo ou ainda faz todo o sentindo. I want to be a good woman.
A mãe sozinha, o pai que trai, a solidão filho-único, as orações pedindo pelo-amor-de-deus pra eu morrer antes de todo mundo que eu gosto.
O tempo girou feito um doido e me colocou nesse lugar que eu não sei se quero estar e me fez querer ser uma boa mulher - apesar de eu não saber direito o que isso significa.
Talvez seja algo como transar dentro do banheiro sujo da faculdade pública, gostar de cheirar livros, andar de bicicleta, não ter uma estante de livros não lidos, prestar atenção nos post-its espalhados pela parede, não ficar com vontade de se masturbar numa aula de literatura portuguesa,  não usar antidepressivos, fazer terapia uma vez por semana sem trocar a sessão por qualquer coisa que pareça mais interessante por algum momento, não tentar beijar a sua amiga quando se fica bêbada, não fingir felicidade no instagram, saber de cor frases de Closer, ter tatuado a capa de um livro em alguma parte do corpo.
Talvez seja mais simples do que isso, mas deitada no ombro de um homem que eu mal conheço, me parece um pouco mais complicado.
Sempre fui contra “fazer amor”. Amor não é nada parecido com sexo. Amor é o que vem depois, entre os lençóis. Não fiz amor da primeira vez em que a gente transou. Não fiz amor em nenhuma das vezes em que acordávamos no meio da noite e que você insistia em fingir que não tinha trabalho na manhã seguinte e que não estávamos em uma quitinete cheirando a suor e cigarros. No meio da noite, tudo o que existia era um não-fazer-amor que soava melhor do que eu sempre esperava quando sua mão começava a descer pela minha barriga.
Fazer sexo me faz lembrar de coisas que eu não gostaria. Enquanto sua cabeça se move de um jeito engraçado no meio das minhas pernas, finjo que posso te enxergar por dentro, finjo que sou Blimunda. Ser Blimunda é a forma que eu encontrei de você nunca me enxergar por dentro, de você ser Baltasar. Sete-sóis & Sete-luas.
Uma pena nada ser como nos romances.
Faço rodeios pra esconder de mim mesma, do apartamento vazio, da cópia extra da sua chave, do toca discos quebrado nos cantos, das cartas que você nunca me escreveu, do quarto quente, da minha tristeza em não existir uma música com o meu nome, da sua camisa no meu armário, o fato de eu ter ido pra cama com alguém que eu não conheço.
Não banque o Larry que eu prometo não bancar a Anna. Mas sim, foi bom. Sim, eu prefiro você. Não, a doçura não existe.
A doçura não existe, eu repeti por dentro.
Sentada na cadeira de madeira, tentando escrever sobre aquilo que eu não quero escrever, tudo o que eu quero é:

1. Que o amor não doa;
2. Que as partidas não sejam forçadas;
3. Que eu me arrependa de ter ido para cama com um estranho.

No quarto de hotel com cortinas cafonas e manchadas de tempo, um ombro que não era o seu, um corpo que não era o seu, uma barba que não era a sua, um beijo que não era o seu - apesar de vocês mexerem a língua de uma forma parecida.
Com as roupas espalhadas sobre a cama e os sapatos perdidos embaixo de algum móvel que eu não consigo localizar, prometi não colocar palavras doces no que era só pele em flor.
Pele-em-flor. Juro e desjuro.
Me entrego burra, puta, errada, ingênua. Ingênua.
Coloco a culpa no horóscopo, na profecia feita por uma senhora bêbada há anos atrás, na pilha de cadernos vazios esperando para serem preenchidos, na vontade de ser o que eu não conheço.
Ao sair do quarto, ao sair de perto daquele que eu não conheço, alcanço a caneta na bolsa e escrevo na palma da mão, para lembrar, pra não esquecer, pra não sentir dor: só pela história. E fica assim: o coração aos pulos e a mentira guardada como segredo nas mãos em formato de concha.  

Invent.ar

Tudo
o
que
eu queria
era
uma
parede
bem grande
para
pendurar
uma
a
uma
todas
as
m e m ó r i a s
que
eu
inventei. 

Sobre você

O moço que mexe de um jeito engraçado no cabelo não é você. O cara do bar também não é você. Tampouco esse monte de corpos dançando de um jeito engraçado, erguendo taças e dando abraços. O que me dói mais na sua ausência é que o mundo grita a sua falta em casa suspiro burro, em cada gole de whisky.
Meu amor por você é o amor mais puro e ao mesmo tempo mais sacana que eu já senti.
E na verdade eu comecei a escrever esse texto e parei no meio porque sinto que talvez já tenha dito tudo que fosse possível sobre você, sobre a gente.
Acontece é que sempre existe a gente. E a rotina não corrói, mas enfeita a vida de draminhas cotidianos.
Eu prefiro temaki, você prefere yakissoba. E eu odeio o modo como você enche o yakissoba com aquele molho doce que eu não sei o nome.
Também odeio o modo como você coloca o despertador pra tocar e me acorda pra ir desligá-lo. E repito aqui: não vou levantar pra desligar o seu despertador. Eu quero muito odiar muitas coisas em você porque assim me sinto segura e mais forte diante da fragilidade de tudo.
Mas o amor não é isso? Igual àquele último conto de Laços de família em que a menina vai ao zoológico e quer muito odiar tudo mas só consegue achar amor.
Eu só consigo achar amor no seu sorriso de criança, na sua carência, na sua falta de fome, na sua timidez que às vezes parece chatice, na sua bebedeira, na sua falta de sono que sempre interrompe a minha facilidade em dormir. E, logo eu que sempre dei tanto valor ao sono compartilhado, me descobri espaçosa te fazendo cair do colchão em muitas noites. No fundo, o amor nada tem de romântico. Mas troco quinhentos buquês de flores por uma tarde de procrastinação com você de moletom velho e camiseta.

Com o tempo, pareço ter perdido meu jeito de romantizar e desaprendido das palavras. Mas ainda sorrio ao pensar que no nosso mundo temos tanto que não há dicionário que saiba dizer.

Você tem que entender que eu sou filho único

Já me doí muito por ser filha única. Lembro que pedia chorando pra minha mãe ter mais um filho, peloamordedeus. A dor passou depois dos 7 anos, a tal primeira infância, responsável por todas as merdas que ficam na nossa cabeça pela vida toda. 
Agora, adulta, me encontro de novo com aquela menina magricela de cabelos armados da cidade pequena, a menina de sete anos. Me encontro com a gata Nick que morreu no parto, com o Pitt que tinha acabado de chegar naquela época, com o cheiro da caixa econômica, onde minha mãe trabalhava, e que até hoje me faz sentir saudade de alguma coisa que eu nem sei direito. Café, chá mate sem açúcar, papel.
(Fomos sempre eu e você, mãe.) 
Está aí a grande verdade: ainda durmo no ombro, ainda estou agarrada ao seio, sugando amor & cuidado da única pessoa que não precisa dizer uma palavra, não, não precisa dizer, nem fazer nada. A única pessoa que me faz sentir um amor bonito, pleno, mas que dói sem parar. Amor-mãe, amor de útero pra útero. 
E de repente, num tempo tão rápido que eu mal percebi, eu cresci. E crescer dói. Olhar pra isso tudo em volta e ver que eu quero tão mais, que preciso de tão mais. E que esse tão-mais não inclui o ventre materno.
Como naquele trecho de autor desconhecido em O ovo apunhalado, eu quero a doçura do verbo viver. E não vejo a hora de abrir portas e janelas de um lugar que não é aqui, de experimentar o gosto de um café que não é dessa cidade, de dormir em um colchão que não é o meu. 
(Tenho tanta fome de mundo, mãe. Fome de ir em direção a mim mesma. Travessia.)
Mas você tem que entender que eu sou filho único.  E filhos únicos são seres infelizes.

Crônica de uma vida anunciada

Vendo-a assim, dentro do marco idílico da janela, não quis acreditar que aquela mulher fosse quem eu pensava, porque me recusava a admitir que a vida acabasse por se parecer tanto à má literatura. (García Márquez  em Crônica de uma morte anunciada – p. 131)

A grande verdade é que viver é um saco. Estou no ápice do meu inferno astral e, principalmente nessa época, queria não acreditar em astrologia. Mas acredito. E parece que quanto mais se acredita mas ele bate. Bateu por aqui. Mas já havia batido antes, bem antes da fatídica faixa da desgraça emocional do mês antes do aniversário. 
É engraçado fazer um flashback do que eu quis ser em vários períodos da minha vida. Já quis ser astronauta quando era criança, arquiteta na pré adolescência, psicóloga na adolescência e quando a enxurrada de hormônios deu um tempo, soube que eu ia querer escrever pelo resto da minha vida. Calhou então de fazer jornalismo e as Letras vieram quase que por acaso. Hoje, na noite anterior à entrega de um dos tão almejados canudos que anunciam o começo do fim das barras da saia de mãe, não sinto a mínima vontade hollywoodiana de jogar o capelo, aquele chapéu bizarro, pra cima. Não existe câmera lenta e provavelmente nem existirá um discurso bonito. Só longas horas de uma espera que foi tão grande mas que quando chegou não sei bem o que quer dizer. Querendo ser Truman Capote mas sendo o Dan de Closer, escrevendo obituários. Ou nem isso.
A verdade é que viver dói pra caralho. E o uso do palavrão é útil porque parece fazer sossegar um pouco o coração que anda afoito pra comer o mundo. Não sei onde colocar as mãos, preciso de um cigarro na mão esquerda e de alguém pra segurar a mão direita. Leio sites inúteis, brinco com o gato, choro vendo filmes, nenhum livro parece ser o suficiente. Vivo apesar de. E eu, defensora maior desse "apesar de" que sempre me empurra pra frente e me faz conseguir enxergar o doce no amargo, tenho me contentado dia a dia com um ranço que nunca me pertenceu. Inquieta, burra, personagem secundário de um livro ruim. Só não uso o adjetivo "infeliz" pra não parecer drástica demais, perdida nesse universo de realidade e drama. Mas sim, talvez infeliz. Insatisfação pura, sem gelo. Bebendo em tragos rápidos, pra não sentir demais o que desce raspando goela abaixo.
O nó na garganta, que antes se resumia a amores mal vividos, agora se resume a uma crônica de uma vida anunciada que não está parecendo nada amigável. 
Não existe amor em SP, meus caros. A má notícia é: nem em nenhum outro lugar.
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