Dias raros ou Meu amigo João


Não conhecia João Anzanello Carrascoza. Pelo menos não assim, pessoalmente. Conhecia de palavra na página, de livro na estante. Há sempre uma ansiedade que vem da presença bruta do escritor. Como ele será? O medo da decepção existe, claro. Um ótimo escritor pode nunca deixar um leitor na mão com seus textos, mas coloca muita coisa em jogo quando se expõe como pessoa - e portanto sem revisões, edições, capas e ilustrações.
Carrascoza se aproxima de muitos de seus narradores e personagens. Tem a delicadeza e o lirismo do que escreve e encanta, assim como a sua literatura o faz àqueles a quem a prosa poética apetece.  Uma palavra para sua literatura: doçura - e, atenção, mesmo na doçura há certa dor pungente.
Pois conheci Carrascoza no Autores e ideias, projeto  que acontece sempre na Biblioteca de São Paulo. O assunto da vez foi o conto, gênero pelo qual o escritor mais transita. Entre as muitas coisas que disse: “O romance é como um rio de histórias e o conto, como um riacho - menor, mas igualmente profundo. O conto é como uma metáfora da vida: curto e intenso. Já o romance é a vida que a gente gostaria que fosse. Para mim, o romance é o grande sertão e o conto, as veredas”.
Em cinco minutos de conversa, todo o meu receio já havia passado. Ele não era mais Carrascoza, era João - o que me fez lembrar o título de um dos contos de O volume do silêncio, “Meu amigo João”. João mostra a intimidade multifacetada nas suas narrativas. Pessoalmente, também consegue ser íntimo e próximo. Sua fala alcança, assim como os seus contos; sua voz tem o mesmo cuidado de sua prosa: “Percebendo a vida, eu vejo muitas histórias brotando e se desdobrando e eu tenho vontade de narrá-las.” João disse que escreve lentamente, aproveita a alegria íntima que surge ao perceber que um conto está chegando. Vai reescrevendo, reconstruindo: “Eu faço muito devagar, porque me dá prazer de ir descobrindo a história.”
Confundir escritor com sua obra não é boa coisa e não é essa a intenção. No entanto, tudo o que venho tentando dizer até agora é que me parece muito coerente - e até bonito - que João seja tão parte do mesmo universo lírico que constrói literariamente: “Os traços literários da gente acabam sendo aquilo que a gente é. Minha escrita não é um projeto literário. É um projeto de vida. Eu vim para escrever”. Dá pra perceber, João. Dá pra perceber.

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