É urgente: a gente precisa parar de se odiar

"Fluoxetina, porque emagrece". "Um hormônio da gravidez sem estar grávida, seca gordura, deixa só músculo, é ótimo". "Um remédio que comprei no Paraguai, numa banquinha aleatória". Boca seca, lábios descascando. Dentes pulando da arcada, barriga pra dentro, braços desaparecendo. Na foto do Instagram, os comentários: "nossa, você está magra e linda! Maravilhosa!"

Corta pra foto da balança. Quarenta e poucos quilos. "Finalmente meu peso ideal." Você também pode. Olhe para minha barriga, para minha bunda: tenho 40 kg, mas engordei um pouco. Devo me preocupar, lógico. Não posso perder isso. Não posso. Isso é tudo o que eu tenho. 

Não, não é. Não mesmo.

A gente precisa parar de se odiar. É urgente.

Todo mundo tem estria, tem celulite, tem um corpo que acha não ideal. Até quem tem 40 kg e se mata na academia todo dia. É foda quebrar essa lógica tão imposta. Mas você não se resume a suas imperfeições. Nem eu, nem ninguém. Tem muito mais você para além das marcas na pele, mas elas também fazem parte do que você é. É preciso olhá-las com mais carinho, com mais respeito. 

Será que é essa relação de ódio que a gente tem que ter com o próprio corpo? Odiar-se é aprisionador. 
Não se odeie a ponto de não aproveitar o mar, caminhar na orla de biquíni e dividir uma boa porção frita com os amigos no bar. As suas imperfeições não valem tanto. Não queira olhar pra trás e ver que deixou de viver coisas por causa de noias que nos empurram garganta abaixo o dia inteiro: Seja magra. Mas não basta ser magra, tem que ter barriga negativa. Mas não basta ter barriga negativa, tem que ser fitness. Mas não basta ser fitness, tem que ter um cabelo perfeito. Mas não basta ter cabelo perfeito e corpo perfeito, olha o rosto! Tem que ter o rosto perfeito. Camarão, feia, só tem corpo. 

Aprendam: nunca é o suficiente. Não foi e nunca vai ser. 

Conversando com uma amiga sobre tudo isso, constatamos: todas nós perdemos alguma coisa em algum momento por conta de tanta pressão. Não entramos na água em deliciosas festas em volta da piscina; não nos bronzeamos à beira mar por não conseguir alcançar o corpo do verão a tempo; não usamos aquele vestido porque a barriga não permitia. 

Colocam padrão em tudo. No nosso braço, na nossa coxa, na nossa virilha, na nossa boca. Até na nossa nuca colocam padrão. E isso é triste. Porque estamos gastando nossos dias com bads inacreditáveis a qualquer olhar um pouco menos esquizofrênico. 

Corpo é pra ser usado. Corpo é pele. Corpo sente. Sofre, dói. Machuca. Tem queloide, estria, celulite, flacidez, ruga, cabelo branco, mancha de sol, de espinha.


É como se o mundo gritasse pra gente: não envelheçam, não comam, não vivam. Permaneçam sempre como uma boneca de plástico, sem poros, sem curvas, sem fala.

É como se a insatisfação fosse a condição da feminilidade, minha amiga falou. E isso é tão errado.

Já vi muitas amigas fazerem loucuras em nome de um corpo que elas nunca terão. E mesmo se tiverem, a que preço?  

Se algo te incomoda, você tem todo direito de querer mudar minimamente. De melhorar. Valorizar o que você acha que tem de melhor. Mas suas imperfeições não podem atrapalhar a ponto de impedir que você viva sua vida. E nesse caso não são elas que devem ser tratadas à exaustão, mas o que você pensa delas.

Se a gente esperar o corpo dos sonhos pra aproveitar o mar, o sexo, a praia, o verão, vamos morrer cobertas da cabeça aos pés. Porque nunca será o suficiente. Porque o padrão é irreal. Non ecziste. Gigi Hadid, do alto do seu "corpo perfeito", foi photoshopada na capa da Vogue China de março. Onde querem nos levar com isso?

Em Mallorca, na Espanha, lembro de ver senhorinhas de 80, 90 anos, de topless, de boinha, passando protetor solar, nadando, tomando sol, descansando nas pedras. Um corpo é só um corpo. Ele foi feito pra ser usado. Pra te levar pra lá e pra cá, não pra te impedir de viver as coisas. 

É pedir muito poder colocar o corpinho no mundo?

Somos jovens. Estamos nos auge de tudo o que nosso corpo pode nos dar. E digo de potência mesmo. A gente anda, nada, pode ir a lugares. Nosso corpo banca isso. 

Esse é meu corpo. Do jeito que é. Com imperfeições, coisas que não gosto e coisas que gosto. Mas é meu. É com ele que sinto o vento na cara, a farpa no pé, a queimadura de sol, o arrepio quando ouço uma história bonita.

Meu corpo sou eu, mas eu não me encerro nele: há muito mais de mim para além do meu corpo. 

A gente só precisa repetir isso todo dia, pra não esquecer.

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